Minerações
sempre. Exercer-se como
instrumento capaz de
receber a
poesia do mundo. Poesia
suspensa
em rotação e translação.
Movimentos
moderados alinhavando dias
e
luares, estações e
colheitas, minutos
e milênios,
provisoriamente.
Há que se ter ouvido incapaz de
olvidar ruídos de asa e
bússola que
arranham o silêncio com
viagens. Ler
no vento notícia de aroma e
sumo.
Pisar a terra sem sufocar a
semente
grávida de árvore e fruto.
Há que se ter os carecimentos da terra
- sem luz e aquecida por estrela de
grandeza menor – onde
eliminar
uma névoa é subtrair-se em
aurora.
Há que se chorar com lágrimas
invisíveis como choram os
peixes.
Nutrir-se de limo e lodo
umedecidos
pelo próprio pranto. Nadar
em
mágoas, repousar sob a
sombra da
lua – cercar-se dessa
fascinante farsa
do céu se mirando em
espelho de
água e noite. Depois
dormir, fechado
sobre si, como concha,
sonhando
pérolas.
Há que se aprender do rio o ritmo.
Ao buscar o sal, seu curso
não desfaz
paisagem, mas se refaz em
paisagem.
Percorrendo o exato limite
das
montanhas e planícies, o
rio cumpre
a rota original esculpida
pelo tempo,
pacientemente.
Há que se existir sem sede como a
chuva. Crina e cauda de nuvem em
relâmpago e galope,
destilando
macios espinhos de
cristais. Chicote
acariciando pétalas,
pontuando
flores na superfície dos
mares.
Desprender-se pautando o
nada.
Enxaguar cansaços e
entremear-se,
sem incômodo, nos poros da
terra.
Regar raízes e outros
mistérios
sigilosos do nascimento,
silenciosamente.
Há que se ser frágil o suficiente ereconhecer-se
inábil para inferiremendas na lei que equilibra as
águas. Inábil para decretar
outros
ministérios ao destino das
constelações. Inábil para
escolher as
cores dos crepúsculos.
Há que se vicejar como fazem as
florestas. Unir-se em copas
para
aniversariar com sombra o
esforço
das raízes suportando
tronco, galho,
fruto e flor, que tudo
abraçam
desinteressadamente. Como
as
árvores há que se receber a
gota do
orvalho sem se molhar,
preservando
o extrato da noite.
Há que se queimar em calor e luz
como faz o fogo. Chama
desenhando votivas sombras
em
ouro e fumaça. Lume que
arde
enquanto consome as causas.
Há que se escrever a vida em flauta e
vôo como cantam os
pássaros.
Buscar na memória a
lembrança e a
direção. Ocultar os rastros
percorridos para perder-se
no
encontro e ninho. Decifrar
o alfabeto
rabiscado nas linhas do
vento,
gravado no fruto maduro,
embaraçado na pena trocada.
Como
os pássaros, há que se
escrever
enquanto é dia e para
todos.
Há que se ter a discrição dos
minérios entretidos com os
tons do
ar, da água, do fogo – e
tão somente –
sem desconfiar fortunas.
Ser na
terra o útero e o filho,
sem sinais de
medo, nascimento, morte. E
como
os minérios ignorar o até
quando.
Há que se dormir como dormem as
noites. Aninhando, do
poente ao
nascente, o mundo e seus
pertences,
apenas para o repouso.
Baixar as pálpebras –
asas que acordam sonhos. E
sem se surpreender com
os enigmas da treva,
dormir. Dormir
como dorme a noite: sem se
assustar
com os pios inusitados que
cortam
o escuro até aos fantasmas.
Há que se ter a paciência dos caramujos
visitando veredas e várzeas
sem se
ferir. Vagar sem pressa,
polindo com
prata e alma o percurso.
Sem se
desviar do acaso, vestido
de espiral
e compasso, passear desejos
em fio
e luz, serenamente. Estar
assim, sem
perdas e heranças. Ser sem
volta.
Há que se morrer como morrem as
sempre-vivas. Escapar-se de
si sem
furtar-se aos olhares
alheios. Ser, a um
tempo, presença e ausência.
Sorvê-la como seiva que inaugura no
homem um destino vertical.
Há que
se somar à natureza até o
último
sempre.
Bartolomeu
Campos Queirós (1992)
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