terça-feira, 30 de janeiro de 2024

múltiplas poéticas

cacos de ossos
sonhos estilhaçados
                      no chão

palavras dilaceradas
carne incinerada
        ditadura cão

reflexo no espelho
do poema
                           NÃO

Artur Kabrunco
Vampiro Goytacá/Canibal Tupiniquim
https://arturgumes.blogspot.com/

Arte: Tchello d'Barros



            Você Só Pensa Em Grana

 

Você só pensa em grana,

Meu amor!

Você só quer saber

Quanto custou a minha roupa

Custou a minha roupa...

 

Você só quer saber

Quando que eu vou

Trocar meu carro novo

Por um novo carro novo

Um novo carro novo,

Meu amor...

 

Você rasga os poemas

Que eu te dou,

Mas nunca vi você

Rasgar dinheiro

Você vai me jurar

Eterno amor

Se eu comprar um dia

O mundo inteiro...

 

Quando eu nasci

Um anjo só baixou

Falou que eu seria

Um executivo

E desde então eu vivo

Com meu banjo

Executando os rocks

Do meu livro

 

Pisando em falso

Com meus panos quentes

Enquanto você ri

No seu conforto

Enquanto você

Me fala entre dentes

Poeta bom, meu bem

Poeta morto...

 

Zeca Baleiro

 CD Líricas lançado em 2000 pela Ariola  


no Studio Fulinaíma Produção Audiovisual
ouvindo algumas pérolas raras da nossa
melhor MPB presente do meu queridíssimo
amigo Jose Gil Azeredo com a cia desses

traços expressivos do imenso Jean-Michel Basquiat

 

Artur Fulinaíma

www.arturkabrunco.blogspot.com



a casa não é parede

que circunda os ossos da pele

mais que concreto

a casa é o repouso da alma

em tempos de ventos fortes

 

a casa é simulacro

que respira entre

os poros do forro

é o teto que acolhe

as lágrimas espessas

os risos encorajados de alegria

 

a casa é o quintal

que circula pelas frestas

é o piso dos pés

que rompem a manhã 

é o alicerce suspenso

é o sonho carcomido pela espera

 

a casa é o tempo

que escorre pelos dedos

é o olho que se projeta no medo

é a circunstância que impõe

o voo da descoberta

 

a casa é quase

o sentido sem sentir

é aconchego

é faca que corta 

a noite escura

é tempero que ilumina

em torno da mesa

o bolo a cereja

 

a casa é o espanto

da mão que fere

o gozo dos dedos que acarinha

o rosto exposto

o sono desperto

na madrugada fria

é o ritmo do coração

o som das calhas encharcadas 

 

a casa é o colo

o desespero da perda

o vazio que transpassa

o fogo a cama a fumaça

o toldo amparado pela brisa

é a luz do poste na esquina

 

a casa é o sol guardado

na caixinha de surpresas

o céu enfeitado de  vagalumes

a terra decorada de guirlandas

é o espinho de jardim sem flores

a roupa dos amores

 

a casa é quase-morte

é renascimento

é invento

é quase-nada

é tudo num minuto

 

a casa não é o que parece

nem carece de definições

 

a casa é chegada

é despedida

o entra e sai da vida

 

toda casa

é recomeço

 

*

 

curto palavras
como se delas derivasse
a existência do tempo

percorro suas nuances
seus acentos agudos
suas circunferências
suas entrelinhas
permeadas de vírgulas
e reticências

temo chegar ao ponto final
sem saber direito
o fim da história

se ainda resta memória
para relatar
ou força para parar
a passagem rápida
do tempo

que entre ponto e vírgula
se insinua
com uma acachapante
interrogação
o que é a vida?

de imediato
lanço uma exclamação
sei lá!
e devolvo a interrogação

se és tempo
o senhor da razão
e não sabes
quem saberá
o que é
a vida então? 

 

Dinovaldo Gillioli 


NOVA OBRA IMPRESSA! 😀

Comunico com alegria que a plaquete “IR E VIR”, publicada em Portugal, já está disponível p/ aquisição. A obra reúne uma seleção de minhas criações em Poesia Experimental (poemas concretos, poemas visuais e escrita assêmica).

Título: “Ir e Vir”

Autor: Tchello d’Barros (Brasil)

Dimensão: 20 X 30 cm

Preço: 8€

Edição: PaperWiewBooks (Leiria, Portugal)

🙏

Encomende seu exemplar aqui:

https://paperviewbooks.pt/books/ir-e-vir/?fbclid=IwAR0O1UEb6yfY-URMACpjrL2xJh2JLa0jL4kuk8FmgzieQffGorF7VgGPXDY


o pantanal ainda sangra

peixes ontem
comeram
pendrives
notbooks
e outras coisitas
mais
que tal família
sorrateiramente
cinicamente
descaradamente
lançou ao mar
          de Angra

Artur Gomes
O Homem Com A Flor Na Boca
leia muito mais no blog
https://fulinaimagens.blogspot.com/

Arte: Tchello d'Barros


Chove
Já não cuido da terra

Hoje a mim cabe cuidar do ladrilho, do azulejo, do beijo frio da porcelana

Não planto uvas
As parreiras crescem longas longe de minhas mãos

Bebo o vinho
Cheiro o vinho
Cheiro a vinho e veleiros

(Longe o lugar de partida)
Mares inteiros

Tantas árvores, cipós, espinheiros
O desenho azul no cimento vermelho

A flor, inerte, pende de suas partes
Como se pendesse antúrios mortos dos meus olhos

Chove

Deixo entrar lírios e rosas
Pelo alpendre do tempo

Chove

Ainda tenho tuas mãos nodosas,
Como raízes suspensas clamando aos céus abundância.

Lázara Papandrea 

— em Curitiba, Paraná

via Ivy Menon


Há cidades cor de pérola onde as mulheres

"Há cidades cor de pérola onde as mulheres
existem velozmente. Onde
às vezes param, e são morosas
por dentro. Há cidades absolutas,
trabalhadas interiormente pelo pensamento
das mulheres.


Lugares límpidos e depois nocturnos,
vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águas
celestes.


Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos
estremecem. Mulheres que imaginam
num supremo silêncio, elevando-se
sobre as pancadas da minha arte interior.

Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas
nem dedos. Onde consumo
uma amizade bárbara. Um amor
levitante. Zona
que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos
pensadores. Para que algumas mulheres
sejam cândidas. Para que alguém
bata em mim no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiram
o fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
o minha loucura, escada
sobre escada.

Mulheres que eu amo com um desespero fulminante,
a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.


Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.

Dentro de minha idade, desde
a treva, de crime em crime - espero
a felicidade de loucas delicadas
mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.

Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delírio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça
ardente: - E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente."

In: Herberto Helder.

Lugar – Poesia toda.
Assírio & Alvim, 1979.
 


''Mais cedo ou mais tarde
o silêncio virá
perguntar por ti.''

Albano Martins


Jean-Michel Basquiat 

Cinzia Farina 
*

Silêncio

 

Me deixem quietinho

dizia meu filho

e agora digo eu

 

Me deixem quietinha

dizia minha filha

e agora é minha vez

 

Você ouviu

você leu

você pagou

você fez

 

todo o silêncio do mundo

que tanta boca me inquieta

 

por breves minutos

um copo de silêncio

para esse casmurro

ou mesmo um pouco de água fria

numa garrafa azul de plástico

 

Quem sabe amanhã

ou talvez noutro planeta

este vagabundo assim cometa

quase que um poema

um texto curto para jogar no lixo

um conto longo para deixar estrábico

um cometa

uma faisquinha assim de nada

que suba dance e desça

uma moeda para pagar o pão

uma caneta para rabiscar

o chão

 

Silêncios sentados

sobre colos de silêncios

em cadeiras de camurça

 

Por pouco tempo meus óculos

novos e limpos com uma limpeza

de enxergar

os bêbados do outro lado da avenida

 

Silêncio para poder pensar

quem sabe eu escreva

sobre as crianças que não têm futuro

ou sobre os velhos que não têm presente

 

(mas de mim não falo nunca,

minto sempre)

 

eu nada valho

na verdade eu pouco falo

 

além do mais não gosto de falar

enquanto escrevo

e tenho medo

de não deixar nada para ninguém

nem uma página completa

para meus filhos

e nem risadas

uma casa com tapetes e vidraças

um bom telhado

que suporte o escorregar dos anjos

um quintal com grama farta

para esconder meu sangue fraco

por pouquíssimo tempo

até que passe o pânico

 

um quase nada de silêncio

uma coisa assim tão breve e pouca

 

para tapar os podres furos

dos meus corpos

e entupir de pausa e vento

as minhas bocas

 

(André Bolívar)



Cinzia Farina

com quantos silêncios

se faz uma palavra

no cinema da sala

?

com quantas palavras

se faz cinema

no silêncio  da  fala

?

 

Gigi Mocidade

www.porradalirica.blogspot.com


BERÇO

E o homem retorna ao seu lar
no plano equatorial do planeta
e sua óptica adaptativa rumo a um passado
que ainda deve revelar muitos outros
em sua jornada inquieta e inexplicável.

E seu machado ainda estava lá, atrás da porta.
E o homem abre sua janela, e responde a um bom-dia
a seu assistente virtual, e pega um pouco de café.
E olha para seu horizonte e suas atividades
biológicas
[sua fração de oxigênio na atmosfera.

“Tem alguém aí?”, ele pergunta.
E eis que o homem olha para o vazio através do tempo.
E pensa em exoplanetas e nos castigos que moldaram sua casa:
[Terra: pancadaria de meteoros, vulcanismo, glaciações.
E tudo isso para que ele estivesse ali, sentado em frente à natureza
que ainda lhe resta, sob os moldes da mesma janela.
[Sua vida 5.0; seu passado enigmático.

Talvez pudesse chorar um pouco, sem culpa ou remorso.
E eis que o velho machado bem poderia enferrujar um pouco também.
E o homem apaga as luzes com uma voz de comando.
[embargada, sofrida, acanhada.

Mas não fecha a janela, e estica as pernas e deixa os braços
caírem, e estufa o peito um pouco mais.
E cada minuto é um fóton, uma faísca,
um fiat fatal.

E olha para os dedos de sua mão esquerda:
[a pele enrugada, os ossos pontudos, uma seca imprevista
[e inevitável.
E já não há mais como retornar ao começo das coisas,
mas ainda há tempo de ler uma história de amor:
[uma história sem sentido; carnal e piegas.

Dessas que não se contam mais:
A boca sedenta, um beijo jogado na outra margem
da via/vida; dois drinks de Martini; um bilhete molhado
à tinta e à saliva; esses desesperos escassos que já não
brilham nos olhos de quem quer que seja.

Mas o homem conta os segundos e seus algoritmos;
sua idade digital; seu plano de saúde; as batidas de seu
cryptocoração.

E o homem pega um pouco mais de café.
e come um pedaço
de não.

(Nathan Sousa) 



meu coração marisco

 na tua areia
em tarde de sol à pino

 em noite de lua cheia



Artur Fulinaíma - foto.poesia -




Despedida

 

renegar a terra não nasceu em mim

logo que minha mãe menina demais para entender

a bolsa que se rompia em ondas latitudinais

nem mesmo quando nasci

olhos azuis de jabuticaba

louca de vontades de árvores e rios peixes casca flor

 

renegar a terra não vingou em mim

nem depois que tive a primeira fome de prato cheio

e excesso de canções raiz saudade e chuva a furar o chão

eu a rebentar poças de lama e arco-íris entre o espelho

 

menina louca de palavras

construí folhas

 

renegar a terra não me desceu ao ventre quando cavei com as próprias unhas

lago para me afogar a sede

a dor

a angústia de irreconhecíveis horizontes

 

a música a me dar esperança de re_crer no destino comendo ventavais

mastigava cabelouro

atrás da porta para ficar bonita me fazia imensidades

de restos

e pedras partidas

 

renegar a terra não é para mim nem mesmo na poesia ordinária de outono

eu quase-inverno

por ora

no fim da linha há cerol e os pescoços sangram colares de pérolas

quebrados os dentes de porcos

passarinhos insatisfeitos

 

de asas e afetos decidi me fazer sim

 

depois de um oceano no chão outro no céu azul de jabuticabas

toda olhos

 

permito que a vida dance poesia sob meus pés

 

Ivy Menon



 “Nunca tinha implorado por nada na minha vida, mas silenciosamente pedia que me dissesse que me amava. Que se importava comigo... Alguma coisa. ”


Mario Bendetti


O Cão Sem Plumas


A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.

O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.

Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.

Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.

Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos povos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.

Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.



João Cabral de Melo Neto



Sarau Campos VeraCidade

Sarau Campos VeraCidade   Dia 15 de Março 19h - Palácio da Cultura - música teatro poesia   mesa de bate-papo :um olhar sobre a cidade no qu...