irreverência
ou morte
disse-me
federico daudelaire
o mestre/sala
da mocidade independente
de padre olivácio
e escola de samba
oculta
no inconsciente coletivo
não fujo do perigo
no asfalto
o beijo sujo
é preciso
estar atento e forte
não temos tempo
de temer a morte
disse-me caetano
na canção tropicalista
o genocida anda solto
não podemos
nos perder de vista
Artur
Gomes
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carne
viva da loucura
escrevo
pra não morrer
antes da morte
me disse
gigi mocidade
no homem
com a flor na boca
transitivo
ou intransitivo
vivo
na mais sagrada
ilógica
do inconsciente
coletivo
na semeadura
dos ossos
enquanto posso
palavrar
o que procuro
enquanto ócio
vou lavrando
o criativo
na carne viva
da loucura
Artur
Fulinaíma
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talvez
não tenha lógica
o que escrevo
minha escrita
grita
do inconsciente coletivo
vivo re-par-ti-do
em três em cinco
em sete
quem não conhece
não se mete
em tudo aquilo
que excita
Artur
Gomes Fulinaíma
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não conheço
mas é como
se conhecesse
disse-me ontem
a psicóloga
antes que
amanhecesse
depois de uma noite
de trégua
depois de passar a régua
na direção dos caminhos
Rúbia
Querubim
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escrevo
como quem
pesca uma piaba
no rio ururai
vou por aí
de itabirina
a iriri
se não cansar
cato conchinhas
de anchieta
a guarapari
Federico
Baudelaire
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em estado
de pedra
poesia purificada
na palavra
poro
filtro púrpura drumundana
itabirina paralelepípedo
descalço
beijo no asfalto
mar de eucalípitos
bordelírico de rosas
um homem com a flor na boca
Artur Gomes
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Noturno
A cigarra canta entre a paisagem
Aviso que a primavera chegará sem
chuvas
Na próxima mudança de lua, quem sabe?
Em tempos mais áridos, a solidão
envelhece um pouco o olhar
Deixa ao ar uma moldura amendoada...
Há naturalmente um silêncio um pouco
mais profundo
Percebo que minhas roseiras atrasam
os botões
O pequeno canteiro de ervas precisa
de cuidados
Alguns pássaros atrasaram a migração
Na água que corre mais fina, ao fundo
do roseiral
O poente avermelhado, anuncia noite
fria e estrelada
E que amanhã será um longo dia de sol
Um longo dia de sol...
Há muito percebi em mim o alvorecer
da quietude
Uma nuance mais madura da
sensibilidade
Na cumplicidade da antiga cadeira
Observo a noite, a dança das nuvens
O chá de capim-santo com mel
E sementes de girassol
A cigarra ainda canta entre a
paisagem
Amanhã será um longo dia de sol
Um longo dia de sol...
Poeta e editor na Editora Penalux
auto retrato
passei a
infância
correndo atrás
do sol,
pés descalços
pelos matagais
por entre
cascavéis e beija-flores.
cedo aprendi o
milagre
das sementes:
minha mãe
abria a terra
e eu semeava os
milharais,
os campos de
arroz e as colheitas.
- vim crescendo
com a sarça hostil
sob a memória
de crânios
sem nome.
quanto à
poesia,
foi se alojando
aos poucos
nos latifúndios
do coração.
e se tenho as
mãos
especializadas
na confeitaria
das palavras,
vem da herança
natural do ofício
de criar e
engravidar as plantas.
Salgado
Maranhão
em Concerto A
Quatro Cantos
Antologia
Poesia Brasileira Contemporânea
org. Domício
Proença Filho
Record - 2006
tropo
extirpas teu cu melado de açúcares e triguilhos
como tudo que na sua vida tem reticulas e culpas
mastodonte dessa época era requebra seus bordéis e
querubins
borrifa seu passado na porta da igreja que te
recebeu entre nacos de folhas mortas e do presente das suas mãos solitárias e
suicidas
masca tua língua mascára seus retalhos do poente
como um homem sem gravata ignobil de recordações e pólvoras
fecha teu currículo vai para o meio da rua e caga.
Cgurgel
CARA OU COROA
Jogar moedas na fonte,
desejo de ponte
- um rio correndo solto,
um riso, um risco, um suspiro -
nadar depois do amor ausente,
águas fundas rompendo comportas,
logo depois tantas outras portas,
entre janelas entreabertas outras pistas
não fomos nós
os jardineiros que semearam os brotos,
nem os canteiros abertos,
deixando à mostra
os veios das nossas aortas em aletas dispersas,
nós, apenas criaturas ausentes,
acidentes de percurso foram tantos
- sobreviventes -
você entende nossa linguagem,
nossa linhagem bordada
debaixo de tantos panos quentes?
As moedas tocaram no fundo:
era cara ou coroa a melhor escolha?
(Nic
Cardeal, 28.09.2019)
( imagem do
Pinterest)
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
Ferreira Gullar
Pedra
Pássaro Poema
era uma vez um mangue
e por onde andará Macunaíma
na sua carne no seu sangue
na medula no seu osso
será que ainda existe algum
vestígio de Macunaíma
na veia do seu pescoço?
na teoria dos mistérios
dos impérios dos passados
nas covas dos cemitérios
desse brasil desossado?
Macunaíma não me engana
bebeu água do paraíba
nos porões dos satanazes
está nos corpos incinerados
na usina de cambaíba
em campos dos Goytacazes
Macunaíma não me engana
está nas carcaças desovadas
na praia de manguinhos
em são francisco do itabapoana
Artur
Gomes
O Homem Com A Flor Na Boca
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