sexta-feira, 24 de março de 2023

Fernando Aguiar

 

PROBLEMÁTICA DA DIFICULDADE

 

está difícil. está muito difícil.

está mesmo muito difícil. es

tá realmente mesmo muito

difícil. não há dúvida que est

á realmente mesmo muito di

fícil.

está difícil. está muito difícil.

está muito mais difícil, está

mesmo muito mais difícil. es

tá realmente mesmo muito m

ais difícil. não há dúvida que

está realmente mesmo muito

mais difícil.

está difícil. está muito difícil.

está ainda mais difícil. está a

inda muito mais difícil. está

mesmo ainda muito mais dif

ícil. está realmente mesmo ai

nda muito mais difícil. não h

á dúvida que está realmente

mesmo ainda muito mais dif

ícil.

está difícil. está muito difícil.

está cada vez mais difícil. est

á cada vez ainda muito mais

difícil. está mesmo cada vez

ainda muito mais difícil. está

realmente mesmo cada vez a

inda muito mais difícil. não h

á dúvida que está realmente

mesmo cada vez ainda muito

mais difícil.

para quem julga que estou a e

xagerar, não digo apenas que

não há dúvida que está realme

nte mesmo cada vez ainda mu

ito mais difícil. nem que está d

ificílimo. está dificilíssimo !

 

Fernando Aguiar

 

Fernando Aguiar é o mais internacional dos poetas portugueses da atualidade. Incluído em mais de 60 antologias em 16 países, 39 exposições individuais de poesia visual em 8 países e coletivas em três dezenas de países. E intervenções em museus, festivais, bienais, galerias e outros eventos artísticos e literários mundo a fora. Guardadas as diferenças de tempo e contexto, ele encarna o que Manuel Pires de Almeida (1663) disse da poesia ser a "pintura que fala, e à pintura, ser a poesia muda"... Também Camões , nos Lusíadas canto 7 nos diz d´"A muda Poesia ali descreve" referindo-se à Pintura. Mais enfático ainda foi Lope de Vega: "Bien es verdad, que llaman la poesía/ Pintura, que habla, y llaman la Pintura/ Muda Poesia, que exceder porfía." Isso "porque a imagem é como que um outro gênero de escritura" ( eo quod imago sit ua si alterum scripturae genus) disse Herrera de Garcilazo de la Vega. Fernando Aguiar faz a ponte entre iconografia e poesia, pela visualidade, valendo-se da colagem, associando imagens pictóricas e letrismo numa grafitagem de ateliê, quando ele não invade o espaço cênico ou opta pelas instalações ao ar livre. É o que eu chamei, em 1962, de "arte verbal de vanguarda".

Antonio Miranda (Brasília, 3 de abril de 2010)

 

Obs.: comecei a entrar em contato com a obra de Fernando Aguiar, em 1983 quando criei o projeto Mostra Visual de Poesia Brasileira, que apesar de inicialmente querer focar a poesia contemporânea brasileira, as exposições acabaram se tornando internacionais, tal o volume de Poesia Visual Internacional que eu recebia a cada edição.

 

Estive com Fernando Aguiar em dois encontros no Brasil, um em Bento Gonçalves-RS e outro em Belo Horizonte. E desde então este seu poema Problemática da Dificuldade me acompanha.

 

Artur Gomes

www.fulinaimagens.blospot.com

quinta-feira, 16 de março de 2023

Geleia Geral - Rádio Caiana

 

Hoje às 20h

Geleia Geral

Rádio Caiana

www.radiocaiana.com.br

 

Gravamos ontem com Paulo André Netto Barbosa o primeiro Geleia Geral com participação especialíssima da minha querida amiga parceira Marcella Roza cantando à capela Vapor Barato (Jards Macalé/Wally Salomão).

Além de uma seleta musical com meus parceiros Paulo Celso Ciranda Reubes Pess Otávio Cabral Naiman e Luiz Ribeiro e duas faixas com poesia e som instrumental de Fil Buc fluiu ainda um breve bate papo focado na minha trajetória desses 50 anos de poesia. Esse programa de estreia vai ao Ar hoje às 20h.


Pornofônico confesso

se este poema inocente
primitivo natural indecente
em teu pulsar navegante
entrar por tua boca entre dentes
espero que não se zangue

se misturar o meu sangue
em teu pensar quando antropo
por todas bocas do corpo
em letal porno grafia
na sagração da mulher

me diga deusa da orgia
se também tu não me quer
quando em ti lateja/devora
palavra por palavra
a fome por dentro e fora
em pornofonia sonora

me diga Lady Senhora
nestes teus setenta anos
se nunca gozou pelos ânus
me diga Bia de Dora
num plano lítero/estético
qual humano ou cibernético
que te masturba ou te deflora

Artur Gomes

o poeta enquanto coisa

Editora Penalux – 2020

 

onde a poesia
se espalha
a língua nativa
não é fogo de palha
é brasa viva


Anjo Torto


eu sou o que invoca
o que provoca
e incorpora
desconcentra
desconforta
desconstrói
e desconcerta

eu sou o que interpreta
representa
o que inventa
e desafora

o Anjo Torto
graças a Zeus
a pedra e ao Machado de Xangô

a Capitã do Mato Caipora
me xinga de poeta enganador
mal sabe ela
que eu sou da reza
que o homem que se preza
nunca se escraviza
com chicote de feitor

 

Artur Gomes

O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux – 2020

www.secretasjuras.blogspot.com

 

poética


ela não conhece
a saliva em minha língua
o sal
o mel
o gosto
entre/pasto
entre/posto
em sua língua
muda cala
por isso appalo seco
em sua fala

Federico Baudelaire

sábado, 11 de março de 2023

mar becker

 
eu gostava mais de nós antes, amor

eu gostava mais quando passávamos as tardes de domingo na cama

nesse tempo sonhávamos alto
e ao voltar um para o outro vínhamos trazendo nas mãos o fogo roubado dos deuses

.

foi da tua boca que ouvi pela primeira vez sobre as uvas que crescem nos vinhedos, em pleno deserto da patagônia

imaginei tudo em detalhes

o céu amplo
o fruto se abrindo como carne

a carne sendo devastada pela noite, num fulgor de estrelas

.

eu gostava mais quando bebíamos vinho barato, em taça de vidro. tu às vezes derramavas no meu ventre

era lindo ver-te bebendo dali, do abismo da minha pele

era lindo pensar que continuarias bebendo de mim sempre

supor que, mesmo se eu dissesse que nesse vinho havia dissolvido a cantarella da lucrécia bórgia

mesmo assim continuarias bebendo
morrendo - por amor ao meu corpo

.

eu gostava mais de mim. de ti. de nós. gostava mais quando ouvíamos o que quer que fosse da boca um do outro

tu me falavas a respeito da maldição que um dia haverá de recair sobre minha família

minha casa
minha posteridade numerosa

como se estivesse ouvindo último homem vivo sobre a terra
assim eu te ouvia, tua voz ao meu ouvido

e tu gozando dentro de mim

---

mar becker
em: para a série amar, ruir, que imagino como uma plaquete. material em trabalho, 2019

múltiplas poéticas


 

ovelhas adestradas por favor
tentem se desgarrar desse torpor
para se libertarem das garras do pastor

Federico Baudelaire


anjo torto

eu sou o que invoca
o que provoca
e incorpora
desconcentra
desconforta
desconstrói
e desconcerta

eu sou o que interpreta
representa
o que inventa
e desafora

o anjo torto
graças a zeus
a pedra e ao machado de xangô

a capitã do mato
a caipora
me xinga de poeta enganador
mal sabe ela
que eu sou da reza
e que o homem que se preza
nunca se escraviza
com chicote de feitor

Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa

www.secretasjuras,blogspot.com




O Açúcar - Ferreira Gullar


O AÇÚCAR

 

O branco açúcar que adoçará meu café

nesta manhã de Ipanema

não foi produzido por mim

nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

 

Vejo-o puro

e afável ao paladar

como beijo de moça, água

na pele, flor

que se dissolve na boca. Mas este açúcar

não foi feito por mim.

 

Este açúcar veio

da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia.

Este açúcar veio

de uma usina de açúcar em Pernambuco

ou no Estado do Rio

e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana

e veio dos canaviais extensos

que não nascem por acaso

no regaço do vale.

 

Em lugares distantes, onde não há hospital

nem escola,

homens que não sabem ler e morrem de fome

aos 27 anos

plantaram e colheram a cana

que viraria açúcar.

 

Em usinas escuras,

homens de vida amarga

e dura

produziram este açúcar

branco e puro

com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

 

Ferreira Gullar

 


o homem com a flor na boca

 Porrada Lírica

 

soberano su-real insano

pedra no sapato eu sou do mato

curupira carrapato sou da febre

sou dos ossos sou da lira do delírio

todo Dia é Dia D toda hora todo Dia

Zeca Baleiro Raul  Seixas Mallarmè

Baudelaire Luiz Erundina Luiz Melodia

o melhor que faço é viver poesia

o resto  tudo mais   é perfumaria

 

Artur Gomes

O Homem Com A Flor Na Boca

50 Anos de Poesia

https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/


O Homem Com A Flor Na Boca

 

só durmo com  música instrumental

de mil novecentos e setenta e três

quero te dizer tudo o que não disse

em mil novecentos e novena e seis

levamos seis anos queimando letras

em papéis de cartas nunca me esqueci

frente a janela a contra-luz

no litoral das tuas costas tinha uma rosa vermelha

que até hoje trago em minha boca

 

Artur Gomes

O Homem Com A Flor Na Boca

www.fulinaimaimatupiniquim.blogspot.com

 



Teatro do Absurdo

 

O quarteto da hipotenusa

versus o quadrado do quarteto

da hipotenusa a musa do quadrado

fosse apenas o retrato na fotografia

mas não sendo hipotenusa

somente musa algaravia

uma palavra mais que estrada

sendo musa multi-via

me levou nessa jornada

para fora da Bahia

todos os santos mar aberto

no abismo a fantasia

de querer mus entretanto

muito mais que poesia 


e ela vai pintando

 o homem com a flor na boca

com seus pincéis de aquarela

poema que só é possível

pelas lentes dos olhos dela

 

na balada ou no bolero

nossas letras se entrelaçaram

pele corpo carne sangue pelos

poros entre tintas entre tantos

anos que  foram pintados

sobre papéis de cartas em fogo

sob o sol  chuva verão inverno

quando qualquer das estações

é primavera

 

e ela era uma estudante de arquitetura que pintou poemas no cachorro louco

e desenhou imagens em Brazilírica Pereira : A Traição das Metáforas 


Artur Gomes 

O Homem Com A Flor Na Boca 

https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/

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