terça-feira, 20 de junho de 2023

Artur Gomes - O Boi-Pintadinho

  

 O Boi-Pintadinho

E

lá vai o boi

com teus olhos tristes

feito mãe cansada

das estradas da vida,

vai carregando dor nos olhos,

cabisbaixo,

com medo de levantá-los

e ser o primeiro

a enfrentar a faca

ou quem sabe a forca.

 

Lá vai o boi de arado

boi de carro

boi de carga

boi de carca

boi de canga

boi de corda

boi de prado.

 

Boi preto

boi branco

lá v ai o boi-pintadinho

levanta meu boi levanta

que é hora de viajar,

se o povo não te cantou

é porque não sabe cantar!

 

Lá vai o boi

na tua consciência

triste e solitária

olhando os que passam

com medo de levantar a voz

e colocar o teu mugido

na consciência dos outros

 

Lá vai o boi

no teu passo manso,

dança na contra-dança

com certeza que esperança

é muito mais aquilo

que já te foi predestinado

lá vai o boi-pintadinho...

 

levanta meu boi levanta

que é hora de viajar

se o povo não te cantou

é porque não sabe cantar!

 

Lá vai o boi

boi Antônio

boi Joana

boi Maria

boi João

boi Thiago

boi Ferreira

boi Drummond

e boi Bandeira

e tantos outros bois

que conheci

por este país afora...

que sabendo ou não sabendo

cada boi tem sua hora

 

lá vai o boi

tranquilamente manso

no teu equilíbrio manco

que me inspira e desespera

vai para o cofre

ele sabe disso

vai para o açougue

ele sabe disso

vai pra balança

e nem parece equilibrista

mas já conhece o seu destino

 

lá vai o boi-pintadinho...

 

levanta meu boi levanta

que é hora de viajar

se o povo não te cantou

a minha história vai contar!

 

E lá vai o boi

atravessando ferrovias

nos vagões a ferro

vai carregado

de marcas pelo corpo

e agonia pela alma

lá vai o boi pintadinho

 

levanta, meu boi levanta

tenha mais fé e menos calma

levanta meu boi de carga

boi de canga boi de corte

boi que nasce pra vida

e a gente engorda pra morte

 

Artur Gomes

O Boi-Pintadinho – 1981

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https://centrodeartefulinaima.blogspot.com/


quinta-feira, 15 de junho de 2023

Pessoa e Suas Pessoas


PESSOA E SUAS PESSOAS

Há pessoas
que não sabem
quem é Pessoa.
Como é possível
alguma pessoa
não saber quem é Pessoa?
Que pessoa
foi Pessoa?

Pessoa não foi pessoa,
é Pessoa!
Pessoa e seus heterônimos.
"Pessoa inventava poetas inteiros".
Ou meios.
Pessoa foi pessoas,
várias pessoas!

Pessoa e seus inteiros:
ao longo,
o médico
- e poeta -
Ricardo Reis.
Ao largo,
um estrangeiro
- e poeta -
o alter ego e sua tabacaria,
Álvaro de Campos.
Ao vento,
o mestre ingênuo
- e poeta -
guardador de rebanhos,
Alberto Caeiro.
Pessoa e seus meios:
à margem,
em seu desassossego,
- o ajudante de guarda-livros -
Bernardo Soares.

Pessoa
e suas muitas pessoas:
entre o dia de seu nascer
e o de seu morrer,
todos os dias
foram seus.

Você sabe
quem foi(é) Pessoa?
Uma pessoa
que queria ser
o poeta Pessoa
- inteiro -
("o eu profundo e os outros eus")
sem condições
de outras pessoas!

(Nic Cardeal, em 13.06.2017 


sexta-feira, 9 de junho de 2023

Garbo Gomes

 

do sangue dos crepúsculos

 

"... entre a onda e o lampejo

da onda entrevimos o perfil em

chamas de nossos corpos..."

Claudio Willer

 

outra vez

o mar

os reinícios

insano

ígneos

refluxos

anarco

lúdicos

efetivo

colapso

afetivo

efêmero

frêmito

festivo

( eu nunca soube falar )

outra vez

o mar

os indícios

lírico

ilícitos

resíduos

psico

promíscuos

latente

incêndio

íntimo

eloquente

espasmo

último

( eu sempre sangro às seis )

outra vez

o mar

&

a falência

líquida

dos

corpos

lânguida

leveza

dos

ventos

distantes

a sede dos lírios

o nome das coisas

o chão dos dias

de

resto

um

máximo

léxico

de

excessos

um

narco

idílio

ilógico

onírico

a poesia derramada

. a língua acesa

os olhos retorcidos

( eu sempre quis assim )

você

entrando

e

nunca mais

saindo

de

mim


hino à noite

a Novalis

 

a

lívida

leveza

do

vento

claro

silêncio

tenso


de profundos

espasmos noturnos

 

" ... às noites me esvaio

em sacro fervor. "

Novalis

 

teus

olhos

derramados

espaços

dissonantes

extensões

líricas

cidades

convulsas

( esdrúxula

ilha

última

gozo

verbo

rrágico

êxtase

falo

crático )

íntima

invasão

viperina

intensa

expansão

lúbrica

:

teu

corpo

dissolvido

em

dissoluta

ausência

dispersão

vulvo

uterina

latência

líquido

sinuosa

( urbanas

carícias

corrosivas

distúrbios

orgânico

sintáticos )

:

nosso

eloquente

silêncio

indício

lascivo

de

março

cansaço

vestígio

onírico

de

fogo

falso

ou

rastro

íntimo

de

festiva

ruína

retrato

lúdico

de

inútil

euforia

( girassóis

libertos

rugindo

veloz

salto

colorido )

:

poesia


eu mesmo nem sei se fui

a poesia não é mais
a morte ainda existe
o dia nasce sujo

os poetas vivem pútridos

tua face um dia foi
a carne ainda chora
o sonho não existe

os poetas observam
incêndios
as crianças absorvem
felizes

o poema morre calmo
teus olhos nunca viram

( eu nunca soube
o que é poesia )

os poetas se masturbam
o corpo ainda existe

garbo gomes


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