OcupAção Poética
Preparando performances com Monique Frias e Paulo Victor Santana para os dias 19 no Teatro Trianon, dia 22 no Sarau Cultural no FDP Jardim do Liceu e em outubro OcupAção Poética no Palácio da Cultura - FCJOL - Campos dos Goytacazes-RJ
com uma câmera nas mão
um poema na cabeça
vamos filmar o poema
antes que desapareça
e se a gente se amasse uma vez só
a tarde ainda arde primavera tanta
nesse outubro quanto
de manhãs tão cinzas
nesse momento em Bento Gonçalves
Mauri Menegotto termina
de lapidar mais uma pedra
tem seus olhos no brilho da escultura
confesso tenho andado meio triste
na geografia da distância
esse poema atávico tem
a cor da tua pele
a carne sob os lençóis
onde meus dedos
ainda não nasceram
algum deus
anda me pregando peças
num lance de dados mallarmaicos
comovido
ainda te procuro em palavras aramaicas
e a pele dos meus olhos anda perdida
em teu vestido
jogo de dadaísta
não sou iluminista/nem pretender
eu quero o cravo e a rosa
cumer o verso e a prosa
devorar a lírica a métrica
a carne da musa
seja branca/negra
amar/ela vermelha verde
ou cafusa
eu sou do mato curupira carrapato
eu sou da febre sou dos ossos
sou da lira do delírio
e virgílio é o meu sócio
pernambuco amaralina
vida leve ou sempre/vida severina
sendo mulher ou só menina
que sendo santa prostituta
ou cafetina
devorar é minha sina
profanar é o meu negócio
jura secreta
naquele mar de música
toda meta física
pela tarde quântica
comunhão e prece
no sentido oculto
de mergulhar na pele
dos teus olhos raros
que o poema tece
como um rio claro
onde navegar
As unhas de Hera
o meu amor é um relâmpago
um coice nas trovoadas
caldeirão de raios elétricos
em noites de cingapura
algumas noites é Ana
nas madrugadas é Vera
na cama somos Bacantes
mil giga bytes um tera
muito mais que tri amantes
no plug me acelera
arranca do chão meus pés
me lança na atmosfera
ela - a louca de Espanha
Medusa da Inglaterra
meu corpo tua quimera
enterra suas sete cabeças
enquanto me diz - espera
me morde me lambe - me lanha
com suas unhas de Hera
Artur Gomes
Do livro O Poeta Enquanto Coisa
Editora Penalux – 2020
Leia mais no blog
https://secretasjuras.blogspot.com/
profana
tenho apenas
esse punhal de prata
e a lua já não é mais cheia
poesia sempre na veia
e aquele beijo guardado
que ainda não foi roubado
na noite da santa ceia
antes que desapareça
Língua à Brasileira
Ó órgão vernacular alongado
Hábil áspero ponteado
Móvel Nobel ágil tátil
Amálgama lusa malvada
Degusta deglute deflora
Mas qual flora antropofágica
Salva a pátria mal amada
Língua-de-trapo Língua solta
Língua ferina Língua douta
Língua cheia de saliva
Savará Língua-de-fogo e fósforo
Viva & declinativa
Língua fônica apócrifa
Lusófona & arcaica
Crioula iorubaica.
Língua-de-sogra Língua provecta
Língua morta & ressurecta
Língua tonal viperina
Palmo de neolatina
Poema em linha reta
Lusíadas no fim do túnel
Caetano não fica mudo
Nem “Seo” Manoel lá da esquina
Por ti Guesa Errante, afro-gueixa
O mar se abre o sol se deita
Por Mários de Sagarana
Por magos de Saramago
Viva os lábios!
Viva os livros!
Dos Rosas Campos & Netos
Os léxicos Andrades, os êxtases
Toda a síntese da sintaxe
Dos erros milionários
Desses malandros otários
Descartáveis, de gorjetas.
Língua afiada a Machado
Afinal, cabeça afeita
Desafinada índia-preta
Por cruzas mil linguageiras
A coisa mais Língua que existe
É o beijo da impureza
Desta Língua que adeja
Toda a brisa brasileira
Por mim
Tupi,
Por tu
Guesa
Luis Turiba
leia mais no blog
https://fulinaimagens.blogspot.com/
PECCATUM MEUM
a espada rasgada na cruz
desfaz-me estoica calma
antes ungida de graça
despida de dor
inferno que dante não cria
na carne carente sangria
no logos que corpo jazia
entranhas teu eu com pavor
pecados me valho pedinte
dos sete me faço ouvinte
de gritos que antes calara
explodo sem freio e pudor
orgulho que me reconheço
me visto de melhor apreço
convenço valor
destrói me a ira sentida
das mãos que me findam vazia
em noite que entrega se faz
dano me dana inveja
o quanto de mim te carrega
quando sozinho se vai
mesquinha sufoco teus passos
apego de seu me encaixo
te quero demais
devoro-te em partes que cruas
sacio metade da gula
não me satisfaz
num louco tormento entrego
ao homem qual vênus irrompe
meu gozo bebido em taça
veneno que dentro me vaza
da nua luxúria que rogo
pecando na alma
acordo
a santa que puta me faz...
Flavia D'Angelo
quadros de tempos
de espaço e memória
e bem mais de vento
lógica cansada
de coisa alguma
de vida
teu retrato se apaga
como mais um vento
que passou
Ana Dantas
O ator, produtor, videomaker e agitador cultural Artur Gomes acumula uma bagagem de 50 anos de carreira com prêmios nacionais e internacionais em teatro, música, literatura e artes gráficas. Gomes poderia se filiar na tradição literária dos chamados poetas malditos, como comumente e simplistamente nos referimos àqueles autores que constroem uma obra “rebelde” em face do que é aceito pela sociedade, vista como meio alienante que aprisiona os indivíduos em normas e regras. Tais autores rejeitam explicitamente regras e cânones. Rejeição que se manifesta-se também, com a recusa em pertencer a qualquer ideologia instituída. A desobediência, enquanto conceito moral exemplificado no mito de Antígona é uma das características de tais sensibilidades poéticas, que no Brasil já vem de longe com um Gregório de Mattos e ganhou impulso e seguidores com o famoso trio da “parafernália” rebelde: Verlaine, Baudelaire e Rimbaud.
Já tivemos oportunidade de observar em outras obras do autor, que suas construções poéticas seguem sempre renovadas para cima em matéria de criatividade, elencando uma variada diversidade temática que aborda, sempre em perspectiva ousada e radical, desde o doce e suave sentido do amor, ao cruel da relação amorosa, flertando com o libidinoso, e questões existenciais que expressam indignação, desobediência e transgressão. É que, explica ele: “arde em mim / um rio / de palavras / corpo lavas erupção / mar de fogo / vulcão”. Outra faceta do autor, digna de nota, é a criação de vários heterônimos como sejam Federico Baudelaire, EuGênio Mallarmè ou Gigi Mocidade, talvez a mais irreverente de todos, porque fala a bandeiras despregadas, sem papas na língua. “Muitas vezes a língua pulsa pula para o outro lado do muro outras vezes a língua pira punk nesses tempos obscuros às vezes a língua Dada vai rolando dados nesse jogo duro muitas vezes a língua dark jorra luz nas trevas desse templo escuro”.
E aqui temos afinal, mais uma obra desse múltiplo e incansável poeta que caminha com uma flor na boca, símbolo universal de amor, de paz e beleza. A ele não importa verdadeiramente por quais meios: “se sou torto não importa / em cada porta risco um ponto / pra revelar os meus destroços / no alfabeto do desterro / a carnadura dos meus ossos”. É poética que, para além de perquirir as dores e delícias da condição humana em si, envereda pelo viés de nossa condição social sempre ultrajada. Encontramos um poema que nos pergunta: “quem se alimenta / dessa dor / desse horror / desse holocausto // desse país em ruínas / da exploração dessas minas / defloração desse cabaço // quem avaliza o des(governo / simboliza esse fracasso?” Artur Gomes segue sua árdua caminhada, agora com o poderoso concurso da maturidade que lhe chega. Segue emprestando sua voz aos deserdados, aos desnutridos, aos que têm sede, aos que têm fome, ou aos que morrem assassinados nos guetos, nos campos, nas cidades por balas de fuzil, desse país que tarda em referendar a cidadania.
Krishnamurti Góes dos Anjos - Escritor e crítico literário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário