esse poema entrou na minha vida
com o Teatro Do Absurdo
para nunca mais sair
quando escrevo e eu mesmo não entendo o significado de uma determinada
metáfora lanço a maldita no vento invento outra e vou ao centro do universo e
xingo teu nome garrutio lamparão de bico kabrunco de poema que não me dá
sossego
Federika Lispector
foto: Letícia Rocha
leia mais no blog https://arturgumesfulinaima.blogspot.com/
uma rocha guarda
o silêncio do mar
guarda o peso
imensurável dos anos
a leveza das gaivotas
uma rocha guarda
o cheiro dos peixes
o perfume longínquo
das profundezas marinhas
guarda a escuridão
de uma longa noite
as cores da natureza
uma rocha guarda
um coração gigante
o sentido do que parece
não mais existir
guarda lembranças
a espera do que se foi
o passado o presente
em nossa porta
uma rocha guarda
pingos inusitados
de uma chuva fina
marcas de tempestades
guarda a resistência
dos dinossauros
o canto livre dos pássaros
uma rocha guarda
registros da terra
sussurros das matas
guarda a dureza dos dias
a mansidão de uma brisa
a canção da eterna passagem
Dinovaldo Gilioli
"crucificados"
família: noites
de execuções,
galáxias.
água
purificada,
rajada de abutres;
colinas cobertas
de azaleias
azuis.
– solidão é um instante singular.
o sol cai
sobre as árvores,
cauteloso,
cáustico,
insólito,
sólido.
o sódio arde,
o ódio
dói.
– estamos crucificados!
***
by Ziul Serip, in
"flor mineral" [inédito]
imagem: flor de ametista
Deus não joga dados
mas a gente lança
sem nem mesmo saber
se alcança
o número que se quer
mas como me disse mallarmè
:
- vida não é lance de dedos
A vida e lança de dardos
Deus não arde no fogo
mas eu ardo
Artur Gomes
Pátria A(r)mada
segunda edição revista e ampliada
Desconcertos Editora - 2022
Lia
Que não é de Itamaracá
Mas também ama poesia
Artur Fulinaíma
Michaela Schmaedel do livro Quênia
Em meus versos de argila
Em meus versos de argila
o dia a dia. Sob a antiguidade das palavras
leio entrelinhas na pátina gerada
nos casulos da madrugada.
Do impossível não sinto falta.
Não almejo decifrações nos umbrais
do desespero. Não me atraem brilhos
camuflando a solidão.
Pétalas acesas, minhas pálpebras, abrem-se
em caminhos tão compridos quanto o Universo.
Mas dentro da bolsa não carrego mapas.
Nem a vontade das horas.
Vestido-me com roupas despojadas,
segue comigo este colar de continhas
coloridas, rodeando-me o pescoço.
Nada mais que isto.
Mirian de Carvalho
do livro Nada mais que isto
Scortecci Editora - 2011
De água para vinho
Chego a saciar a sede ao beber tua noite.
Vinho tinto e rascante nas lentes da taça!
De alegria e carne exponho a boca cheia.
Todos os teus desejos são minha graça.
Mordo as horas, mastigo o tempo.
Descubro em cada gole o teu segredo.
Não querias um Deus junto a ti para brindar?
Alguém, de entre mitos, escolhido a dedo?
Tintim! Ouço o tilintar de nossos corpos,
volúpias derramadas (tua e minha).
A língua saboreia livre sem tomar fôlego.
Os mágicos prazeres vêm das vinhas.
Uma nova safra nasce neste instante.
Velho moinho em que fui trigo e ora pão,
te dou sustento à luz do deslumbramento.
Apresento o milagre da transformação!
Faço da farra e do amor o meu banquete.
Celebro a vida à mesa farta (uvas e nacos).
Nada mais sagrado, nada mais profano:
o Zé-ninguém de ontem é hoje o teu Baco!
Jorge
Ventura
Amavisse
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.
Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.
Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
Hilda Hilst
dentes rangem nos rosários
acesos à beira do abismo
santos latem nos recantos
sujos das calçadas e cabeças
de flores vociferam a sinuosa
linguagem do odor: recusamos
felizmente o sol se da noite
cerzimos um corpo e habitamos
nossa cética morada de uivos
Carlos Orfeu
Não há Vagas
O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
Ferreira
Gullar, in 'Antologia Poética'
País-intempérie
A placa ocupa com um nome o atlas.
Nome que tua esposa pendura
à cabeceira da mesa.
Nome escuro entre-os-dentes.
A placa tectônica
[ou país com faisões e estandartes].
O secreto arroto da placa repõe
no outro lado da fronteira
tua esposa e filho.
Não percebes, atento estás aos estudantes
de história que refazem
a geografia.
Edimilson de Almeida Pereira
in Ruído Manifesto
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