quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Mostra Visual De Poesia Brasileira - Poesia Em Movimento

 



esse poema entrou na minha vida

com o Teatro Do Absurdo

para nunca mais sair

 

quando escrevo e eu mesmo não entendo o significado de uma determinada metáfora lanço a maldita no vento invento outra e vou ao centro do universo e xingo teu nome garrutio lamparão de bico kabrunco de poema que não me dá sossego

 

                                     Federika Lispector

 

foto: Letícia Rocha

leia mais no blog https://arturgumesfulinaima.blogspot.com/



uma rocha guarda
o silêncio do mar

guarda o peso
imensurável dos anos
a leveza das gaivotas

uma rocha guarda
o cheiro dos peixes
o perfume longínquo
das profundezas marinhas

guarda a escuridão
de uma longa noite
as cores da natureza

uma rocha guarda
um coração gigante
o sentido do que parece
não mais existir

guarda lembranças
a espera do que se foi
o passado o presente
em nossa porta

uma rocha guarda
pingos inusitados
de uma chuva fina
marcas de tempestades

guarda a resistência
dos dinossauros
o canto livre dos pássaros

uma rocha guarda
registros da terra
sussurros das matas

guarda a dureza dos dias
a mansidão de uma brisa
a canção da eterna passagem

 

Dinovaldo Gilioli



Poesia Sem Pele, 2011 - Ed. Casa Verde






"crucificados"

família: noites
de execuções,
galáxias.

água
purificada,
rajada de abutres;

colinas cobertas
de azaleias
azuis.

– solidão é um instante singular.

o sol cai
sobre as árvores,

cauteloso,
cáustico,
insólito,
sólido.

o sódio arde,
o ódio
dói.

– estamos crucificados!

***
by Ziul Serip, in "flor mineral" [inédito]


imagem: flor de ametista




Deus não joga dados

mas a gente lança

sem nem mesmo saber

se alcança

o número que se quer

mas como me disse mallarmè

:

- vida não é lance de dedos

A vida e lança de dardos

Deus não arde no fogo

mas eu ardo

 

Artur Gomes

Pátria A(r)mada

segunda edição revista e ampliada

Desconcertos Editora - 2022



Lia

Que não é de Itamaracá

Mas também ama poesia

 

                  Artur Fulinaíma 


Michaela Schmaedel do livro Quênia








Em meus versos de argila

Em meus versos de argila
o dia a dia. Sob a antiguidade das palavras
leio entrelinhas na pátina gerada
nos casulos da madrugada.

Do impossível não sinto falta.
Não almejo decifrações nos umbrais
do desespero. Não me atraem brilhos
camuflando a solidão.

Pétalas acesas, minhas pálpebras, abrem-se
em caminhos tão compridos quanto o Universo.
Mas dentro da bolsa não carrego mapas.
Nem a vontade das horas.

Vestido-me com roupas despojadas,
segue comigo este colar de continhas
coloridas, rodeando-me o pescoço.

Nada mais que isto.

Mirian de Carvalho
do livro Nada mais que isto
Scortecci Editora - 2011

 



De água para vinho

Chego a saciar a sede ao beber tua noite.
Vinho tinto e rascante nas lentes da taça!
De alegria e carne exponho a boca cheia.
Todos os teus desejos são minha graça.

Mordo as horas, mastigo o tempo.
Descubro em cada gole o teu segredo.
Não querias um Deus junto a ti para brindar?
Alguém, de entre mitos, escolhido a dedo?

Tintim! Ouço o tilintar de nossos corpos,
volúpias derramadas (tua e minha).
A língua saboreia livre sem tomar fôlego.
Os mágicos prazeres vêm das vinhas.

Uma nova safra nasce neste instante.
Velho moinho em que fui trigo e ora pão,
te dou sustento à luz do deslumbramento.
Apresento o milagre da transformação!

Faço da farra e do amor o meu banquete.
Celebro a vida à mesa farta (uvas e nacos).
Nada mais sagrado, nada mais profano:
o Zé-ninguém de ontem é hoje o teu Baco!

Jorge Ventura 

 



Amavisse

Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.

Hilda Hilst 



dentes rangem nos rosários
acesos à beira do abismo
santos latem nos recantos
sujos das calçadas e cabeças
de flores vociferam a sinuosa
linguagem do odor: recusamos
felizmente o sol se da noite
cerzimos um corpo e habitamos
nossa cética morada de uivos

Carlos Orfeu



Não há Vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

Ferreira Gullar, in 'Antologia Poética'



País-intempérie

A placa ocupa com um nome o atlas.
Nome que tua esposa pendura
à cabeceira da mesa.

Nome escuro entre-os-dentes.

A placa tectônica
[ou país com faisões e estandartes].

O secreto arroto da placa repõe
no outro lado da fronteira
tua esposa e filho.

Não percebes, atento estás aos estudantes
de história que refazem
a geografia.

Edimilson de Almeida Pereira
in Ruído Manifesto

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim

                                                    Artur Gomes   vampiro goytacá canibal tupiniquim   *             poesia muit...