sexta-feira, 3 de março de 2023

múltiplas poéticas



Prefácio

 

Quem fez esta manhã, quem penetrou

À noite os labirintos do tesouro,

Quem fez esta manhã predominou

Seus temas a paráfrases do touro,

As traduções do cisne: fê-la para

Abandonar-se a mitos essenciais,

Deflorada por ímpetos de rara

Metamorfose alada, onde jamais

Se exaure o deus que muda, que transvive.

Quem fez esta manhã fê-la por ser

Um raio a fecundá-la, não por lívida

Ausência sem pecado e fê-la ter

Em si princípio e fim; ter entre aurora

E meio-dia um homem e sua hora

 

Mário Faustino

O Homem E Sua Hora

Org. Benedito Nunes

Cia das Letras - 2002



Lendo seus poemas, Artur Gomes, acabei lembrando deste poema que escrevi em 2016, para Dilma Rousseff, quando do golpe:

 

VELHAS VOZES ÁSPERAS DO GOLPE RÍSPIDO

 

Ouviram das urnas

velhas vozes ásperas

 de um outro tolo

 fascista retumbante

e as antigas vozes do golpe

 em brados ríspidos

outra vez inundam

de penumbra o céu da pátria

 neste instante.

 

Se o sabor da igualdade

 outrora conquistada

com laços fortes

já não pode mais ser

 sentido em nossas almas

já carentes de liberdade,

hoje o golpe novamente

desafia a nossa sorte,

nesse espasmo retardado

de um tolo perturbado

 que contraria a honestidade

até a morte!

 

Ó pátria amada idolatrada

 tão massacrada salve-nos, salve-nos!

Brasil sonho de tantos, 

hoje um constante pesadelo

que agora desce

de teu formoso céu

antes límpido a imagem 

da antiga ditadura 

outra vez o escurece.

 

Monstro pela própria natureza

 sois corrupto, sois infame

 a espalhar violências

e mentiras sem medidas,

da idade das trevas

 em gigantes medidas

 e o futuro vos garante essa certeza!

 

Ó pátria adorada idolatrada

és tu Brasil a nossa terra

 tão amada dos filhos deste solo

 somos aqueles que não fogem

 e não fingem na sua luta,

 ó pátria amada Brasil.

 

Não somos os que nasceram

 deitados em berço esplêndido

 somos aqueles que levantaram

 muito cedo e desde então

foram à rua semear o pão,

a labuta, a coragem e a boa conduta,

ao som do mar e à luz do céu escuro

ao nascer de tantos sóis

e tantas luas à espera da colheita

e do florescer de um novo mundo...

 

Do que a espera mais cansativa

nossa garra sempre foi a mais bonita

 nosso sangue bem vermelho 

tem mais vida nossa vida

 de verdades nossa alma 

de valores não há de fazer valer 

a sua vida sem escrúpulos ou pudores!

 

Ó pátria amada idolatrada

tão massacrada salve-nos, salve-nos! 

Brasil nosso amor eterno 

é nosso símbolo a democracia

é nossa glória

 do passado nossa vitória 

do presente conquistado 

e a paz de um futuro esperado!

 

Mas se um tolo de um brado 

retumbante nos assusta

com seus amigos torturantes

não pensem que os filhos teus

fugirão à luta verão que nenhum

dos filhos teus entregarão

a estrela à noite escura

nem entregarão suas crianças

 à própria sorte!

 

Terra adorada és tu Brasil

 a pátria amada dos filhos teus

 54 milhões não fugirão à luta

nem por temer a própria morte

 nem por cunhar a própria história

 em igual consorte pátria amada idolatrada

 igual a ti mulher altiva nunca se viu!

 

 (Nic Cardeal/2016, para Dilma Rousseff)



Zhô Bertholini 


Teatro do Absurdo

 

O quarteto da hipotenusa

versus o quadrado do quarteto

da hipotenusa a musa do quadrado

fosse apenas o retrato na fotografia

mas não sendo hipotenusa

somente musa algaravia

uma palavra mais que estrada

sendo musa multi-via

me levou nessa jornada

para fora da Bahia

todos os santos mar aberto

no abismo a fantasia

de querer mus entretanto

muito mais que poesia 


e ela vai pintando

 o homem com a flor na boca

com seus pincéis de aquarela

poema que só é possível

pelas lentes dos olhos dela

 

na balada ou no bolero

nossas letras se entrelaçaram

pele corpo carne sangue pelos

poros entre tintas entre tantos

anos que  foram pintados

sobre papéis de cartas em fogo

sob o sol  chuva verão inverno

quando qualquer das estações

é primavera

 

e ela era uma estudante de arquitetura que pintou poemas no cachorro louco

e desenhou imagens em Brazilírica Pereira : A Traição das Metáforas 


Artur Gomes 

O Homem Com A Flor Na Boca 

https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/



 

O Auto do Boi Macutraia

 

por onde andará

Macunaíma

tá no rabo da sereia

tá no rabo da arraia

já passou por Gargaú

tomou pinga em Bracutaia

?

não  

 

Joilson Bessa  já me disse

Kapi do céu já ensaia

 Macunaíma  vem dançando

na farra do boi Macutraia

 

levanta meu boi levanta

que é hora de viajar

acorda boi povo todo

povo e boi tem de lutar

 

olha o rabo do boi é boi

a barriga do boi é boi

olha o chifre do boi é boi

e o couro do boi é boi

 

o meu boi é valente é boi

já chifrou o tenente é boi

é um boi de mercado é boi

e também o delegado é boi


e lá vem Toninho Xita

todos vestido de rosário

vai cantar mais  samba-enredo

pra enriquecer o relicário

 

ê meu boi brasileiro ê boi

pintadinho sem dinheiro ê boi

ê meu boi alazão ê boi

que chifrou o capetão ê boi

 

o meu boi é kabrunco é boi

o meu boi garrutio é boi

o meu boi lamparão ê boi

pra encantar a multidão é boi


o meu boi é jaguar é boi

mãe maria vem cantar vem boi

e meu boi sapatão ê boi

vem também pai joão vem boi

 

o meu boi julivete é boi

já comeu a micheque ê boi

e meu boi operário é boi

já chifrou salafrário ê boi 


o meu boi é cigano é boi

o meu boi é baiano é boi

é também pernambucano é boi

tá  no canto da sereia é boi

tá no rabo da arraia é boi

é um boi carnavalhado é boi

veste calça e veste saia é boi

eita boi da macutraia ê boi


o meu boi jaburu é boi

enfrentou o bangu ê boi

desfilou no ururau ê boi

e ganhou carnaval é boi 


esse boi sem segredo ê boi

esse boi não tem medo ê boi

se um dia passa fome ê boi

noutro dia nós vira samba-enredo

 

Artur Gomes

www.arturkabrunco.blogspot.com


Algo sobre céu

Pousam nas xícaras da noite passada
borboletas da Índia, tons de corais.
Sobre a borra de café, aroma salino
e profundo do Índico.

Asas transparentes, projetam azuis
no banco silencioso e frio da parede
como se fosse primavera.

Telas de anjos e outras divindades
(dessas que não lembramos de onde vem)
como se vivas, vertiam lágrimas
intactas pétalas de flores
bordando o tapete da sala
da mais pura igualdade e paz.

Nas borras do café da noite passada
abriu-se cristalino, o destino
nas asas das borboletas da Índia
no cheiro de incenso de mirra.

E todo ser fez-se um pedaço do Divino
pausa no tempo, no acorde menino
por instantes, o brinde do vinho
e tudo em volta fez-se céu
e tudo em volta, céu
profundamente céu.

Tonho França

Do livro Quarto de Azulejos
Editora Penalux - 2014




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