segunda-feira, 25 de setembro de 2023

ocupAção Poética - 27 de outubro


 Jura Secreta 43

veraCidade

 

por quê trancar as portas

tentar proibir as entradas

se já habito os teus cinco sentidos

e as janelas estão escancaradas ?

 

um beija flor risca no espaço

algumas letras de um alfabeto grego

signo de comunicação indecifrável

eu tenho fome de terra

e esse asfalto sob a sola dos meus pés

agulha nos meus dedos

 

quando piso na Augusta

o poema dá um tapa na cara da Paulista

flutuar na zona do perigo

entre o real e o imaginário

João Guimarães Rosa

Caio Prado

Martins Fontes

um bacanal de ruas tortas

 

eu não sou flor que se cheire

nem mofo de língua morta

o correto deixei na Cacomanga

matagal onde nasci

 

com os seus dentes de concreto

São Paulo é quem me devora

e selvagem devolvo a dentada

na carne da rua Aurora

 

Artur Gomes

do livro Juras Secretas

Editora Penalux – 2018

Poesia Plural – Org. Chris Desplante

Arribaçã Editora - 2023



O Homem Com A Flor Na Boca

 

tirar leite das pedras

plantar flores no deserto

talvez seja esta a minha sina

colher a lírica

na argamassa do concreto

 

leia mais no blog

https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/


 mini conto - mocidade alegre não é de olivácio mas sim independente no inconsciente coletivo ainda vivo rezou missa com cachaça em goytacazes e desfilou de boi-pintadinho na casa dos cubanos no farol de são thomé



MOENDA

Usina mói a cana
o caldo e o bagaço


Usina mói o braço
a carne o osso


Usina
mói o sangue a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço

e do alto da casa grande
os donos do engenho controlam

:


o saldo e o lucro

 

Artur Gomes

Poema dos livros: Suor & Cio – 1985

Pátria A(r)mada  - Desconcertos Editora – 2019 – 2ª Edição 2022



Extravio

Ferreira Gullar

 

Onde começo, onde acabo,

se o que está fora está dentro

como num círculo cuja

periferia é o centro?

 

Estou disperso nas coisas,

nas pessoas, nas gavetas:

de repente encontro ali

partes de mim: risos, vértebras.

 

Estou desfeito nas nuvens:

vejo do alto a cidade

e em cada esquina um menino,

que sou eu mesmo, a chamar-me.

 

Extraviei-me no tempo.

 

Onde estarão meus pedaços?

 

Muito se foi com os amigos

que já não ouvem nem falam.

Estou disperso nos vivos,

em seu corpo, em seu olfato,

onde durmo feito aroma

ou voz que também não fala.

 

Ah, ser somente o presente:

esta manhã, esta sala.



do outro lado da rua

 

nada veio assim de agora

aquela pessoa estática ali no sinal

como se fosse um pássaro sem asas

esse quintal por onde as pessoas adormecem

 

o oco do pensamento que vem vindo

a palavra partida, semi grávida

 

 vejo lá no final da rua o belo se despedindo do mundo

como uma rosa que nunca floresceu no coração das aldeias metrópoles desse planeta

 

venha até aqui

você vê o que eu vejo?

lá, logo ali, os corpos queimam carbonizados

como se fossem palavras não ditas

 

o suburbano indivíduo

que cada dia sai ao sol se pôr

aqui, ali, na Moldávia

 

hoje eu vi

bolos de aniversários feitos como eu nunca vi na minha vida

eram todos eles feitos com o sangue humano colhido nos corpos dos civis mortos ao longo da extensão dessas guerras longas, fratricidas, suicidas

 

parece que a criança do amanhã está a caminho

ela sim, como ninguém, vomitará esse lodo, essa peste, esse enorme dragão

com todos os seus ossos raros e finitos que cobrem seus pensamentos, juízos, mentes

o mundo

 

é esse canteiro arruaça

onde cada um defeca, come e caça.

 

Cgurgel



 Cachorro

 

a palavra que me mata

é a mesma que me ressuscita

me agradar é difícil

como pisar na sombra

me desagradar é fácil

como cuspir pra cima

sou como um cachorro

vou onde me dão

comida e carinho

mas não é bom brigar comigo

tenho memória de cão vingativo

e fico imensamente triste

quando o mundo não me obedece

 

Jovino Machado, Meu bar meu lar, 2009.



alvo

os meninos inspecionam o local
trinam agudos
formigas a cortarem folhas
indefesas
ignoram-me

os meninos não têm olhos
para ouvir facas que caem
da boca dos pais
sofrem a fome de sempre
a liberdade protege-lhes a face

nada sabem dos preços que subiram
a sangrar cesta-básica
não possuem ouvidos
para intuir o abjeto

deleitam-se espera e areia nos olhos

a praia lhes é sonho de goiabada
a mãe carrega o cesto
e uns artesanatos coloridos
construídos de madrugadas

sol e água salgada
banham os alvos
:
turistas descorados esbanjam
aos meninos
apenas o pão de cada dia

a maré dança bola de meia

findas as férias
a vida volta às favas

[não gosto de sonho
:
as crianças me desabitaram]

Ivy Menon

imagem: Cândido Portinari 

Um comentário:

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