Jura Secreta 43
veraCidade 
por quê trancar as portas 
tentar proibir as entradas 
se já habito os teus cinco sentidos 
e as janelas estão escancaradas ? 
um beija flor risca no espaço 
algumas letras de um alfabeto grego 
signo de comunicação indecifrável 
eu tenho fome de terra 
e esse asfalto sob a sola dos meus
pés 
agulha nos meus dedos 
quando piso na Augusta 
o poema dá um tapa na cara da
Paulista 
flutuar na zona do perigo 
entre o real e o imaginário 
João Guimarães Rosa 
Caio Prado 
Martins Fontes 
um bacanal de ruas tortas 
eu não sou flor que se cheire 
nem mofo de língua morta 
o correto deixei na Cacomanga 
matagal onde nasci 
com os seus dentes de concreto 
São Paulo é quem me devora 
e selvagem devolvo a dentada 
na carne da rua Aurora 
Artur Gomes
do livro Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
Poesia Plural – Org. Chris Desplante
Arribaçã Editora - 2023
O Homem Com A Flor Na Boca
tirar leite das pedras
plantar flores no deserto
talvez
seja esta a minha sina
colher a lírica
na argamassa do concreto
leia mais no blog 
https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/
mini conto - mocidade alegre não é de olivácio mas sim independente no inconsciente coletivo ainda vivo rezou missa com cachaça em goytacazes e desfilou de boi-pintadinho na casa dos cubanos no farol de são thomé
MOENDA
Usina
mói a cana
o caldo e o bagaço
Usina
mói o braço
a carne o osso
Usina
mói o sangue a fruta e o caroço
tritura suga torce
dos pés até o pescoço
e
do alto da casa grande
os donos do engenho controlam
:
o
saldo e o lucro
Artur
Gomes 
Poema dos livros: Suor & Cio – 1985
Pátria A(r)mada 
- Desconcertos Editora – 2019 – 2ª Edição 2022
Extravio
Ferreira Gullar
Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?
Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.
Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.
Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos
que já não ouvem nem falam.
Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.
Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.
do outro lado da rua
nada veio assim de agora
aquela pessoa estática ali no sinal
como se fosse um pássaro sem asas
esse quintal por onde as pessoas
adormecem
o oco do pensamento que vem vindo 
a palavra partida, semi grávida
vejo lá no final da rua o belo se despedindo do mundo
como uma rosa que nunca floresceu no
coração das aldeias metrópoles desse planeta
venha até aqui
você vê o que eu vejo?
lá, logo ali, os corpos queimam
carbonizados
como se fossem palavras não ditas
o suburbano indivíduo
que cada dia sai ao sol se pôr
aqui, ali, na Moldávia
hoje eu vi
bolos de aniversários feitos como eu
nunca vi na minha vida 
eram todos eles feitos com o sangue
humano colhido nos corpos dos civis mortos ao longo da extensão dessas guerras
longas, fratricidas, suicidas 
parece que a criança do amanhã está a caminho
ela sim, como ninguém, vomitará esse
lodo, essa peste, esse enorme dragão
com todos os seus ossos raros e
finitos que cobrem seus pensamentos, juízos, mentes
o mundo
é esse canteiro arruaça
onde cada um defeca, come e caça.
Cgurgel
Cachorro
a palavra que me mata
é a mesma que me ressuscita
me agradar é difícil
como pisar na sombra
me desagradar é fácil
como cuspir pra cima
sou como um cachorro
vou onde me dão
comida e carinho
mas não é bom brigar comigo
tenho memória de cão vingativo
e fico imensamente triste
quando o mundo não me obedece
Jovino Machado, Meu bar meu lar, 2009.
alvo
os meninos inspecionam o local
trinam agudos
formigas a cortarem folhas
indefesas
ignoram-me
os meninos não têm olhos
para ouvir facas que caem
da boca dos pais
sofrem a fome de sempre
a liberdade protege-lhes a face
nada sabem dos preços que subiram
a sangrar cesta-básica
não possuem ouvidos
para intuir o abjeto
deleitam-se espera e areia nos olhos
a praia lhes é sonho de goiabada
a mãe carrega o cesto
e uns artesanatos coloridos
construídos de madrugadas
sol e água salgada
banham os alvos
:
turistas descorados esbanjam
aos meninos
apenas o pão de cada dia
a maré dança bola de meia
findas as férias
a vida volta às favas
[não gosto de sonho
:
as crianças me desabitaram]
Ivy Menon
imagem: Cândido Portinari 








obrigado poeta! muitos alfabetos para nós🤟
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