sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Mostra Visual de Poesia Brasileira - Poesia em Movimento


O que te leva a pensar

 

O que te leva a pensar

que o teu livro é necessário

às bibliotecas do mundo?

 

As antigas

Estão repletas de textos sem vida.

- Você não é um clássico.

 

Nas livrarias modernas

há tantas sensabedorias

que ninguém vai te encontrar.

 

Eis a questão:

sossega teu ego.

O mundo não necessita de ti.

Tuas palavras

têm a concretude desnecessária

e solitártia

das pedras do Deserto de Atacama.

 

Affonso Romano de Sant`anna

a vida é um

ESCÂNBDALO – Editora Rocco

Rio de Janeiro-RJ – 2017 



poética 24

para lucia muniz de sousa

 

naquela manhã de sol em ubatuba
lambi o ácido que caiu depois da chuva

cheirei resíduos da resina  em caraguá

e a toxina que entranhou naquela uva
caiu da lágrima que bebi do teu olhar

 

Artur Gomes

O Poeta Enquanto Coisa

Leia mais no blog

https://secretasjuras.blogspot.com



Angra

 

assim como o pau-brasil

a flor do mangue

também sangra

 

Rúbia Querubim

https://fulinaimicamente.blogspot.com/



no coração de qualquer flor

 

você não vai cuspir na minha cara

e mastigar antropofagicamente

depois lhe disse o que sinto

e você me disse o que sente

 

por quê rasgou o couro do tambor

na hora de morrer?

não quis amar com medo de sofrer

como se o amor fosse apenas uma faca

cravada no coração de qualquer flor

 

federico baudelaire

https://fulinaimagemfreudelerico.blogspot.com/



uma noite

minha mãe

puxava-me pela mão

éramos quatro;

eu, ela, o medo e a pressa

disso lembro-me bem

enquanto os três conversavam

eu pregava os olhos  nos olhos tristes das casas e

me  dava uma tremenda vontade de perguntar

“mamãe, o que elas têm?”

 

Reynaldo Bessa

Outros Barulhos 


às vezes

 

o substantivo carece

de mais substantivos

 

o verbo        de verbos

verbos          de advérbios

 

as palavras fazem crescer o mundo

mas a língua não é a realidade

nem a arte se assemelha à natureza

 

criam outra

realidade que expande a realidade

 

(às vezes)

               

                no branco da página

 

Aricy Curvello

Belo Horizonte-MG – Infinito 



aquela mulher
respira pela boca

e só se entrega
por amor

deixa-se possuir
de bruços

antes do esquecimento



 Benette Bacellar - 2023
Anna O. Photography 



penitência

 

três... três facadas no pescoço

estava cansada dela, disse a mãe

 

corpo enrolado no edredon

fogo ateado

livrou-se d0 fardo

 

lavou-se, penteou-se

postou um  salmo no feicebuque

 

Dalila Teles Veras

tempo em fúria

Alpharrabio Edições – 2019


Hoje, quarenta anos da morte de Garrincha. Eis dois poemas do meu livro Domicílio em trânsito, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,1983, sobre o Garrincha:

 

garrincha (I)

 

quando garrincha dribla, fica.

o adversário retém

na memória

a imagem da bola

entre os parênteses

das pernas tortas.

quando garrincha, fica.

o adversário crava

na memória

a imagem da bola

qual uma seta

no retesado arco

das pernas tortas.

quando garrincha dribla, fica

o adversário

pra contar a história

de uma camisa

cujo sete às costas

conduzia a bola

qual uma seta

no retesado arco

das pernas tortas.

 

 

garrincha (II)

 

se não driblas, o alambrado

é a tela de um viveiro

onde te fazes prisioneiro.

se driblas, és um mágico

a liberar os muitos pássaros

do teu nome

enquanto os cartolas dão tratos à bola

e te fintam fora do gramado.

hoje, onde o pássaro que foste?

no ar entre aéreo e sonado

com que desfilas as tuas penas

na alegoria de um carro?

 

Sergio de Castro Pinto



À noite, o frio espreita o delírio sonolento.


Durante a manhã
o sol interrompe o seu sonho.

Entre as folhagens de uma velha árvore
há pássaros que rompem o equilíbrio
matinal.

A vida explode na engrenagem do tempo!

Dudu Galisa

Teresina-PI 




dilatados desalinhos noturnos

" Contra tudo que não for
loucura ou poesia "

                Jorge de Lima

aos
ígneos desígnios
colapsos afetivos
celeumas insólitas
orgasmos inglórios

às
flores flácidas
de um janeiro - cansaço

( cachos de uvas murchas
coxas de Evas mortas )

ao
vasto vazio
das planícies desamparadas
( televisores despertos
silêncio aberto )

do esperma derramado
( lágrima coagulada )

aos
indícios oníricos
das felizes expansões azuladas
( febricitantes excitações
lunares )

do lascivo vermelho aurora
das cremosas extensões
eróticas
( espaços líquidos
cidades íntimas )

:


uma fábrica
de fome
instalada
na língua

um poema
enterrado
na noite

tua vida inteira
contida numa rima

teu mel interno
sangrando
ao Sol


garbo gomes

 imagem: Velho guitarrista

Pablo Picasso - ( 1903 ) 


ESPELHO SEM AÇO


Trago uma dor na garganta
quisera fosse apenas a consequência
de uma asma mal curada
ou de qualquer coisa no pulmão
talvez uma outra provocada pela gula
de engolir um pedaço de carne
sem ter devidamente o mastigado
mas é muito pior
porque a dor que trago na garganta
e algo muito maior que eu
e que apesar de passar pelo meu corpo
não é dele que se trata
a dor que atravessa minha garganta
é muito mais que a parte do pescoço
que antecede a coluna vertebral
vai além da faringe e da laringe
e nem tem a ver com a epiglote
separando o esôfago da traqueia
a dor que me dói na garganta
é o espírito querendo dizer
daquilo que as palavras já não dão conta
a dor que dói na garganta
é o grito engasgado
diante da consciência
de viver numa sociedade
asfixiada pelo subjetivo
nega-se a sim mesma
e anula sua imagem no espelho
embotando o sonho
onde se faz impossível
reconhecer a alteridade
e colocar a ideia de mundo
em questão

 

Wilson Coêlho

Vitória-ES

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