quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Campos VeraCidade - Mostra Visual de Poesia Brasileira


Campos VeraCidade

XIIª Mostra Visual De Poesia Brasileira

As Multilinguagens No Museu


metáfora

 

meta dentro
meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
na carne seca do futuro 
meta dentro dessa meta
a chama da lamparina 
com facho de fogo na retina 
pra clarear o fosso escuro

 

Artur Gomes

Campos dos Goytacazes-RJ

 O Homem Com A Flor Na  Boca

 https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/





  amém

 

estrela no poço:

o rosto vai-e -vem

olhando pra baixo

me vejo também

acima obedeço

o que vem-vem!

então desde dentro

estreito ao peito

                 um amém

 

Hamilton Faria

Curitiba-PR


Cantiga pra não morrer

 Quando você for se embora,

moça branca como a neve,

me leve.

 

Se acaso você não possa

me carregar pela mão,

menina branca de neve,

me leve no coração.

 

Se no coração não possa

por acaso me levar,

moça de sonho e de neve,

me leve no seu lembrar.

 

E se aí também não possa

por tanta coisa que leve

já viva em seu pensamento,

menina branca de neve,

me leve no esquecimento.

 

Ferreira Gullar

São Luis - Infinito


OS NOMES NO SILÊNCIO

 

As coisas se escondem

no silêncio

e não têm nomes

 

Não há coração

em compasso

Nenhum bater de asas

soltas

 

Tudo o que existe

no silêncio

inexiste

 

Tudo invenção

da noite

 

Ninguém grita

o Nome

Ninguém diz

o Nome

 

Nenhum chamado

 

Só o Amor e a Morte

no silêncio

têm seus nomes

gravados

 

Tanussi Cardoso

Rio de Janeiro-RJ

[eu e outras consequências]

 


SENTENÇA

 

faz muito tempo que eu venho

nos currais deste comício,

dando mingau de farinha

pra mesma dor que me alinha

ao lamaçal do hospício.

e quem me cansa as canelas

é que me rouba a cadeira,

eu sou quem pula a traseira

e ainda paga a passagem,

eu sou um número ímpar

só pra sobrar na contagem.

por outro lado, em meu corpo,

há uma parte que insiste,

feito um caju que apodrece

mas a castanha resiste,

eu tenho os olhos na espreita

e os bolsos cheios de pedras,

eu sou quem não se conforma

com a sentença ou desfeita,

eu sou quem bagunça a norma,

eu sou quem morre e não deita.

 

Salgado Maranhão

Caxias – MA


no meio do caminho


no meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra

jamais me esquecerei desses acontecimentos
na vida das minhas retinas tão fatigadas

jamais me esquecerei
que no meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra

Carlos Drummond de Andrade

Itabira – Infinito




 Ainda somos o homem

ancestral agachado

na savana do Quênia

 

Michaela V. Schmaedel

poemas de viagem - São Paulo – SP

 

entre,

entre por favor

entre blocos

entre quadras

entre,

entre por favor

 

Nicolas Behr

POESÍLIA

poesia pau-brasília


As mães

 

Que as mães

eduquem seus filhos.

Que lhes mostrem o amor

e eles serão amorosos.

Que lhes mostrem a violência

e eles serão violentos.

Que lhes deem a ignorância

e eles serão ignorantes.

As mães educam.

Há uma folha seca dando voltas

em torno da árvore florida.

Os filhos são absolutamente puros.

Mãe nenhuma

pode ser submissa

à imbecilidade humana.

As mães educam.

 

Celso de Alencar

DESNUDO – quaisquer –

                          São Paulo-SP




 O desejo nas bordas do corpo

como uma pancada no meio das pernas

borrifa de vida o tempo, a idade,

a alma. E ele é todo teu.

Bem que ninguém te tira

nem que te queimem na fogueira.

 

Ligia Savio,

Minotauras -


ALINHAVOS

 

Minha carne é fraca

- sou tecida

em curtos pavios -

o fogo arde

a água invade

a beira é rasa

o tempo é breve.

 

De que me serve

vento sem folha

terra sem ventre

escuro sem lume?

 

Quero um pouco mais de improviso

nesse riso guardado em estoques.

Busco a alma escondida na gaveta

onde guardo tantos medos desde sempre.

 

Desalinhei minhas simetrias

descosturei minhas mãos

e libertei meus receios do blackout.

 

Hoje adormeço mais contente:

tenho um sonho iluminando meus escuros

e uma alma germinada pra semente.

 

(Nic Cardeal, 12.01.2017 - poema integrante do livro 'Sede de céu', Penalux/2019)

 


 

ET CATERVA

 

Pari este poema

Numa tarde densa, cinza e fugidia.

Talvez, exatamente por isso,

esse poema não tenha nenhuma poesia.

 

Esse poema me estuprou,

num beco escuro, sujo e fedido.

Talvez, exatamente por isso,

Esse poema não faça nenhum sentido.

 

Caguei esse poema

Com paixão, fúria et caterva.

Talvez, exatamente por isso,

esse poema tenha ficado uma merda

 

Pedro Tostes

Na Casa Mata De Si

Patuá-2018 – São Paulo-SP




 ODE A SERAFIM

 

náufragos indigestos

inventam poetas.

antropófagos espreitam

 

César Augusto de Carvalho

Londrina-PR – 2013


Colecionadores

 

Franz tem dois pássaros

colecionadores.

 

As aves lhe trazem coisas

(três relógios brilhantes,

meia lebre, cinco botões).

 

Hoje, deixaram uma caixa.

 

É branca.

E está vazia.

 

Alberto bresciani

Brasília-DF

hidroavião- Patuá – 2020

MORDAÇA

 

silêncio é barragem

represamento

de uma forte procela

estrondosa

mudez que revela

o inverso impossível

à escuta de outrem

cala

e os berros noturnos

soturnos vêm

que não há silêncio na cela

da solidão de ninguém.

 

Carolina Rieger

DE TEMER A MORTE

CARAVANA – Belo Horizonte-MG - 2022


USINA

 

Usina:

 

Usina são uns olhos

Despertados antes do sol.

 

A boca mal lavada

num gole de café

e um esfregar de mãos

para aquecer o dia.

 

Usina é uma longa

e curta

caminhada.

 

Inventada em carrocerias,

carroças e bicicletas

ou um usar de pés

para se fazer o dia.

 

Usina é um balé:

de lenços de cabeça,

camisas de xadrez,

foice e facão

entre gole e outro

de café.

 

Usina é um apito,

de sol à pino

(feito de marmitas)

quando os olhos nada dizem

e as bocas são limpas

por mãos em costas.

 

Usina é um gosto

(doce-amargo)

de uns caldos

escorrendo,

ora nas moendas

ora nos moídos.

 

É um fazer-de-conta,

pós-apito,

na birosca ao lado

com uns parceiros:

um remedar de vida.

 

Depois

um mal dormir

de pais e filhos

(de fome, de frio, de medo)

para que antes do sol

se tenha despertado.

 

USINA É USURA.

 

São uns olhos

que se estendem

quando em vez

a casa grande.

 

São umas vidas

escapando

pela chaminé.

 

Antonio Roberto de Gois Cavalcanti (Kapi) – ATO 5 – GRUPO Uni-Verso - Campos dos Goytacazes-RJ – 1979

 


 NÓS


 Senta,

Vai alta a madrugada

E não demora, a manhã vai entrar

Pelas frestas da casa,

Como leite derramado.

 

Faz tempo que dividimos a comida,

A roupa limpa,

Que contabilizamos dívidas

E regamos com zelo de parteiras,

A flor do nosso sentimento

- rara orquídea multicor –

 

Vem, senta,

As crianças dormem de janelas abertas,

Não há perigo algum,

Podemos arriar nossas espadas,

Afrouxar nossas defesas

Por instantes,

Pelo menos, até que o dia reponha suas armadilhas.

 

Olha, as nuvens são alfaias,

Mobílias do céu.

Temos um Deus nômade

Que nos defende à distância

E é impressionante essa galáxia sobre nós,

Enquanto contamos o cobre

que comprará arroz e trigo

Quando amanhecer.

- há muito que nos alimentamos

De aurora e pão –

 

Senta, esquece a lâmina do futuro,

É hora de içar as imensas velas do amor,

Espalhar no chão nossas roupas íntimas,

Mergulhar no delírio,

O mar que trazemos escondido

Há tanto tempo.

 

Fernando Leite Fernandes

São Fidélis-RJ

 

 

obs.: poesia vencedora do IFestCampos de Poesia Falada - 2000 - projeto de poesia criado em 1999 por Artur Gomes na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, que volta a coordená-lo neste ano de 2023 em sua XXIIIª Edição.




 roxo ou rosa


pouco importa

se roxo ou rosa

 

contra a aridez

destes tempos cinzentos

 

a beleza subversiva

dos ipês

 

e sua força

majestosa

 

Wélcio De Toledo

Brasília – DF – PATUÁ – 2019


CAVERNA

 

me tranquei na caverna com platão

pra enfrentar meus próprios males

não vi primata nem zapata nem dragão

ouvi o canto das sereias pelos bares

chamei pra briga o capeta de facão

senti o aço perfurando a carne mole

gritei bem alto um tremendo palavrão

chamei são Jorge pra ajudar o filho pobre

daqui ninguém sai vivo nem com reza ou um milhão

um dia até o tolo acaba que descobre

perdi o medo de espelho e solidão

só levo a vida com a pele que me cobre

 

Ademir Assunção

Araraquara-SP

RISCA FACA 

Selo Demônio Negro - 2021


O homem com a flor na boca

 

cada boca tem sua língua

cada língua tem seu vício

cada vício seu desejo

metáfora de fogo quem sabe

ou flor do desejo quem dera

o desejo da língua é o beijo

vermelha  flor de aquarela

a rosa quem me deu foi ela

 

 nos olhos da flor  o  que sinto

no coração absinto o que vejo

e sem  nenhum sacrifício

amar de forma indireta

sem pensar  fim ou início

de alguma jura secreta

a seta no arco é a flecha

o alvo da flecha é a seta

            a flor na boca é desejo

           o beijo na flor é a meta

 

Artur Gomes

Campos dos Goytacazes-RJ

O Homem Com A Flor Na  Boca

 https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com





aqui não mais aqui

 

(uma fímbria)

                         (uma face)

                                         (uma frase)

 

nem tudo o que sabemos

linguagem

nem tudo o que resta

 

: o pousar que recolhe

o que existe (a obscura mistura)

viver significa

 

                        - e é tudo

                         Sobretudo

 

Aricy Curvello

Belo Horizonte – Infinito 


Itabapoana Pedra Pássaro Poema

 

era uma vez um mangue

e por onde andará macunaíma

      na sua carne no seu sangue

               na medula no seu osso

ainda existe algum

vestígio de macunaíma

na veia do seu pescoço

 

 na teoria dos mistérios

dos impérios dos passados

nas covas dos cemitérios

desse brasil desossado ?

 

Artur Fulinaíma

https://porradalirica.blogspot.com/



Teatro do Absurdo

 

no próximo dia seis

vou me despir de vez

rasgar os p(l)anos

no próximo dia seis

no parque desengano

plantar amoras

pedra bonita – metáforas

para os olhos de quem não vê

isa bela acha bonito

tudo aquilo que não falo

no próximo dia seis

desmontar o circo

no universo paralello

montar Pirandello

Beckett Ionesco Artaud Fernando Arrabal

no próximo dia seis

eu me despi pro carnaval

 

Federico Baudelaire

Laboratório de Teatro

https://fulinaimamultiprojetos.blogspot.com/





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