Campos VeraCidade
XIIª Mostra Visual De Poesia Brasileira
As Multilinguagens No Museu
metáfora
meta dentro
meta fora
que a meta desse trem agora
é seta nesse tempo duro
meta palavra reta
para abrir qualquer trincheira
na carne seca do futuro
meta dentro dessa meta
a chama da lamparina
com facho de fogo na retina
pra clarear o fosso escuro
Artur Gomes
Campos dos Goytacazes-RJ
estrela no poço:
o rosto vai-e -vem
olhando pra baixo
me vejo também
acima obedeço
o que vem-vem!
então desde dentro
estreito ao peito
um amém
Hamilton Faria
Curitiba-PR
Cantiga pra não morrer
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
Ferreira Gullar
São Luis - Infinito
OS NOMES NO SILÊNCIO
As coisas se escondem
no silêncio
e não têm nomes
Não há coração
em compasso
Nenhum bater de asas
soltas
Tudo o que existe
no silêncio
inexiste
Tudo invenção
da noite
Ninguém grita
o Nome
Ninguém diz
o Nome
Nenhum chamado
Só o Amor e a Morte
no silêncio
têm seus nomes
gravados
Tanussi Cardoso
Rio de Janeiro-RJ
[eu e outras consequências]
SENTENÇA
faz muito tempo que eu venho
nos currais deste comício,
dando mingau de farinha
pra mesma dor que me alinha
ao lamaçal do hospício.
e quem me cansa as canelas
é que me rouba a cadeira,
eu sou quem pula a traseira
e ainda paga a passagem,
eu sou um número ímpar
só pra sobrar na contagem.
por outro lado, em meu corpo,
há uma parte que insiste,
feito um caju que apodrece
mas a castanha resiste,
eu tenho os olhos na espreita
e os bolsos cheios de pedras,
eu sou quem não se conforma
com a sentença ou desfeita,
eu sou quem bagunça a norma,
eu sou quem morre e não deita.
Salgado Maranhão
Caxias – MA
no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
jamais me esquecerei desses acontecimentos
na vida das minhas retinas tão fatigadas
jamais me esquecerei
que no meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
Carlos Drummond de Andrade
Itabira – Infinito
ancestral agachado
na savana do Quênia
Michaela V.
Schmaedel
poemas de viagem - São Paulo – SP
entre,
entre por favor
entre blocos
entre quadras
entre,
entre por favor
Nicolas Behr
POESÍLIA
poesia pau-brasília
Que as mães
eduquem seus filhos.
Que lhes mostrem o amor
e eles serão amorosos.
Que lhes mostrem a violência
e eles serão violentos.
Que lhes deem a ignorância
e eles serão ignorantes.
As mães educam.
Há uma folha seca dando voltas
em torno da árvore florida.
Os filhos são absolutamente puros.
Mãe nenhuma
pode ser submissa
à imbecilidade humana.
As mães educam.
Celso de
Alencar
DESNUDO – quaisquer –
São
Paulo-SP
como uma pancada no meio das pernas
borrifa de vida o tempo, a idade,
a alma. E ele é todo teu.
Bem que ninguém te tira
nem que te queimem na fogueira.
Ligia Savio,
Minotauras -
ALINHAVOS
Minha carne é fraca
- sou tecida
em curtos pavios -
o fogo arde
a água invade
a beira é rasa
o tempo é breve.
De que me serve
vento sem folha
terra sem ventre
escuro sem lume?
Quero um pouco mais de improviso
nesse riso guardado em estoques.
Busco a alma escondida na gaveta
onde guardo tantos medos desde
sempre.
Desalinhei minhas simetrias
descosturei minhas mãos
e libertei meus receios do blackout.
Hoje adormeço mais contente:
tenho um sonho iluminando meus
escuros
e uma alma germinada pra semente.
(Nic
Cardeal, 12.01.2017 - poema integrante do livro 'Sede de céu',
Penalux/2019)
ET CATERVA
Pari este poema
Numa tarde densa, cinza e
fugidia.
Talvez, exatamente por
isso,
esse poema não tenha
nenhuma poesia.
Esse poema me estuprou,
num beco escuro, sujo e
fedido.
Talvez, exatamente por
isso,
Esse poema não faça nenhum sentido.
Caguei esse poema
Com paixão, fúria et
caterva.
Talvez, exatamente por
isso,
esse poema tenha ficado uma
merda
Pedro Tostes
Na Casa Mata De Si
Patuá-2018 – São Paulo-SP
náufragos indigestos
inventam poetas.
antropófagos espreitam
César Augusto de Carvalho
Londrina-PR – 2013
Colecionadores
Franz tem dois pássaros
colecionadores.
As aves lhe trazem coisas
(três relógios brilhantes,
meia lebre, cinco botões).
Hoje, deixaram uma caixa.
É branca.
E está vazia.
Alberto bresciani
Brasília-DF
hidroavião- Patuá – 2020
MORDAÇAsilêncio é barragem
represamento
de uma forte procela
estrondosa
mudez que revela
o inverso impossível
à escuta de outrem
cala
e os berros noturnos
soturnos vêm
que não há silêncio na cela
da solidão de ninguém.
Carolina Rieger
DE TEMER A MORTE
CARAVANA – Belo Horizonte-MG
- 2022
USINA
Usina:
Usina são uns olhos
Despertados antes do sol.
A boca mal lavada
num gole de café
e um esfregar de mãos
para aquecer o dia.
Usina é uma longa
e curta
caminhada.
Inventada em carrocerias,
carroças e bicicletas
ou um usar de pés
para se fazer o dia.
Usina é um balé:
de lenços de cabeça,
camisas de xadrez,
foice e facão
entre gole e outro
de café.
Usina é um apito,
de sol à pino
(feito de marmitas)
quando os olhos nada dizem
e as bocas são limpas
por mãos em costas.
Usina é um gosto
(doce-amargo)
de uns caldos
escorrendo,
ora nas moendas
ora nos moídos.
É um fazer-de-conta,
pós-apito,
na birosca ao lado
com uns parceiros:
um remedar de vida.
Depois
um mal dormir
de pais e filhos
(de fome, de frio, de medo)
para que antes do sol
se tenha despertado.
USINA É USURA.
São uns olhos
que se estendem
quando em vez
a casa grande.
São umas vidas
escapando
pela chaminé.
Antonio Roberto de Gois Cavalcanti (Kapi) – ATO 5 – GRUPO Uni-Verso - Campos dos
Goytacazes-RJ – 1979
Vai alta a madrugada
E não demora, a manhã vai entrar
Pelas frestas da casa,
Como leite derramado.
Faz tempo que dividimos a comida,
A roupa limpa,
Que contabilizamos dívidas
E regamos com zelo de parteiras,
A flor do nosso sentimento
- rara orquídea multicor –
Vem, senta,
As crianças dormem de janelas
abertas,
Não há perigo algum,
Podemos arriar nossas espadas,
Afrouxar nossas defesas
Por instantes,
Pelo menos, até que o dia reponha
suas armadilhas.
Olha, as nuvens são alfaias,
Mobílias do céu.
Temos um Deus nômade
Que nos defende à distância
E é impressionante essa galáxia sobre
nós,
Enquanto contamos o cobre
que comprará arroz e trigo
Quando amanhecer.
- há muito que nos alimentamos
De aurora e pão –
Senta, esquece a lâmina do futuro,
É hora de içar as imensas velas do
amor,
Espalhar no chão nossas roupas
íntimas,
Mergulhar no delírio,
O mar que trazemos escondido
Há tanto tempo.
Fernando Leite Fernandes
São Fidélis-RJ
obs.: poesia vencedora do IFestCampos de Poesia Falada - 2000 -
projeto de poesia criado em 1999 por Artur
Gomes na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, que volta a coordená-lo
neste ano de 2023 em sua XXIIIª Edição.
pouco importa
se roxo ou rosa
contra a aridez
destes tempos cinzentos
a beleza subversiva
dos ipês
e sua força
majestosa
Wélcio De Toledo
Brasília – DF – PATUÁ –
2019
me tranquei na caverna com
platão
pra enfrentar meus próprios
males
não vi primata nem zapata
nem dragão
ouvi o canto das sereias
pelos bares
chamei pra briga o capeta
de facão
senti o aço perfurando a
carne mole
gritei bem alto um tremendo
palavrão
chamei são Jorge pra ajudar
o filho pobre
daqui ninguém sai vivo nem
com reza ou um milhão
um dia até o tolo acaba que
descobre
perdi o medo de espelho e
solidão
só levo a vida com a pele
que me cobre
Ademir Assunção
Araraquara-SP
RISCA FACA
Selo Demônio Negro - 2021
O homem com a flor na boca
cada boca tem sua língua
cada língua tem seu vício
cada vício seu desejo
metáfora de fogo quem sabe
ou flor do desejo quem dera
o desejo da língua é o beijo
vermelha flor de aquarela
a rosa quem me deu foi ela
nos olhos da flor o que sinto
no coração absinto o que vejo
e sem nenhum sacrifício
amar de forma indireta
sem pensar fim ou início
de alguma jura secreta
a seta no arco é a flecha
o alvo da flecha é a seta
a flor na boca é desejo
o beijo na flor é a meta
Artur Gomes
Campos dos Goytacazes-RJ
O Homem Com A Flor Na Boca
https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com
aqui não mais aqui
(uma fímbria)
(uma face)
(uma frase)
nem tudo o que sabemos
linguagem
nem tudo o que resta
: o pousar que recolhe
o que existe (a obscura mistura)
viver significa
- e é tudo
Sobretudo
Aricy Curvello
Belo Horizonte – Infinito
Itabapoana Pedra Pássaro Poema
era
uma vez um mangue
e
por onde andará macunaíma
na sua carne no seu sangue
na medula no seu osso
ainda
existe algum
vestígio
de macunaíma
na
veia do seu pescoço
na teoria dos mistérios
dos impérios dos passados
nas covas dos cemitérios
desse brasil desossado ?
Artur Fulinaíma
https://porradalirica.blogspot.com/
Teatro do Absurdo
no próximo dia seis
vou me despir de vez
rasgar os p(l)anos
no próximo dia seis
no parque desengano
plantar amoras
pedra bonita – metáforas
para os olhos de quem não vê
isa bela acha bonito
tudo aquilo que não falo
no próximo dia seis
desmontar o circo
no universo paralello
montar Pirandello
Beckett Ionesco Artaud Fernando Arrabal
no próximo dia seis
eu me despi pro carnaval
Federico Baudelaire
Laboratório de Teatro
https://fulinaimamultiprojetos.blogspot.com/
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