sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Mostra Visual de Poesia Brasileira - Poesia Em Movimento

TANTO ÓDIO, CARLOS

 

o mundo é grande

e tem extremos

 

tem estrela e tem estrume

tem perfume e tem veneno

 

tem dias a gente ama

tem dias a gente briga

 

mundo mundo vasto mundo

mundo malo mundo bueno

 

não me chamo raimundo

mas algo estranho me intriga

 

como cabe tanto ódio

num caráter tão pequeno?

 

Ademir Assunção

Poema do livro Risca Faca

Selo Demônio Negro (2021)


Jura Secreta 43

 veraCidade 

por quê trancar as portas 
tentar proibir as entradas 
se já habito os teus cinco sentidos 
e as janelas estão escancaradas ? 

um beija flor risca no espaço 
algumas letras de um alfabeto grego 
signo de comunicação indecifrável 
eu tenho fome de terra 
e esse asfalto sob a sola dos meus pés 
agulha nos meus dedos 

quando piso na Augusta 
o poema dá um tapa na cara da Paulista 
flutuar na zona do perigo 
entre o real e o imaginário 
João Guimarães Rosa

Caio Prado

Martins Fontes 
um bacanal de ruas tortas 

eu não sou flor que se cheire 

nem mofo de língua morta 
o correto deixei na Cacomanga 
matagal onde nasci 

com os seus dentes de concreto 
São Paulo é quem me devora 
e selvagem devolvo a dentada 
na carne da rua Aurora 

 

Artur Gomes

do livro Juras Secretas

Editora Penalux - 2018

imagem: Felipe Stefani

 clique no link para ver o vídeo 

VeraCidade

https://www.facebook.com/artur.fulinaima.5/videos/1644592549276626




Camões/Lampião

(Sérgio de Castro Pinto)

 

1.

camões ao habitar-se

no olho cego

sentia-se íntimo,

mais interno

que o habitar-se

no olho aberto.

2.

lampião ao habitar-se

nos dois olhos

a eles dividia:

o olho aberto matava

e o outro se arrependia.

 

3.

camões ao habitar-se

no olho cego

polia as palavras

e usava-as absorto

como se apalpasse

e possuísse o próprio corpo.

 

4.

lampião ao habitar-se

no olho cego

chorava os mortos

do seu interno,

mas o olho aberto

era casto

e via no matar

um gesto beato.

 

5.

camões ao habitar-se

no olho aberto

via-se todo ao inverso,

(pelo lado de fora),

mas rápido se devolvia

e fechava o olho aberto

pra ser total a miopia.

 

6.

lampião ao habitar-se

no olho murcho

via o olho aberto

estrábico e rústico

e compreendia

o olho aberto

mais murcho

que o olho cego.

 

7.

camões ao habitar-se

no olho murcho

via o mundo claro

dentro do escuro

e o olho aberto

era inútil

ao habitar-se

no olho murcho.

 

8.

lampião

atrás dos óculos

sentia-se acrescido, somado

e era mais lampião

naqueles óculos de aro.

 

9.

os óculos

lhes eram binóculos

íntimos sobre a miopia

e quando os óculos tirava

lampião se decrescia:

o olho cego somava

e o aberto diminuía.

 

10.

camões molhava a pena

como se no tinteiro

molhasse o olho cego

e tateando, cuidadoso

saía do seu interno.

 

11.

(no tinteiro as palavras

em forma líquida

juntam-se uma a uma

à retina, à pupila.)

 

12.

camões

escrevia com o olho cego

por senti-lo mais seu

que o olho aberto

e por poder o olho cego

infiltrar-se, ir mais dentro

e externar o seu inverso.

 

obs.: poema vencedor do II FestCampos de Poesia Falada - 2000 - projeto de poesia criado em 1999 por Artur Gomes na Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, que volta a coordená-lo neste ano de 2023 em sua XXIIIª Edição. 


 





XI


Convoco a volúpia
que arrebata os santos; a

vinha que estende a mão
aos amantes.

Eis o amor em sua semântica
de constelações; eis

as sanções do pólen
sob urtigas.

(O amor nos persegue
num céu de acrobatas).

Tento inventar suas estações
com a utopia de quem despe
um fruto,

e tudo é um barco
sem bússola;
uma estepe de lenhadores.

Por isso esplendo
este arbusto de auroras.

Estou livre para voar
com as palavras -
e o silêncio.

Salgado Maranhão

[a sagração dos lobos,
poema da série homônima do citado título]


canto para a lavadeira


a lavadeira no seu ofício
lava o rio, seu íntimo
e o rio escorre para enxaguar
seus dias.

a lavadeira no seu íntimo
recolhe os panos,
que lavados ao sol não vestem
seu passado.

a roupa não tem ofício
a não ser vestir seu dono
e a lavadeira no seu ofício
ensaboa o seu outono.

a lavadeira com água e sabão
espreme a vida para secá-la
em outro verão.

 

Chico Lino Filho

* Esse texto é um dos dois poemas publicados nessa antologia organizada pelo poeta Lau
 Siqueira, para minha alegria.


constituído

de tempo e
memória,
de mar bravio,
de alguns fragmentos
imutáveis
e algumas
sutilezas,
sou intensamente
infenso
ao invisível.
talvez eu seja
o silêncio quebrado
por alguma ave marinha,
que insiste
em grasnar
e despertar

o meu tempo findável.

Dudu Galisa





 À Tarde – Claudio Willer na interpretação de  Antônio Cunha – clique no link para ver o vídeo

https://www.youtube.com/watch?v=zezltKm7Gdo



não há poema

apedrejaram a estátua do bandeira
e os tambores soaram às seis da manhã
não há palavra
e quero palavras macias
palavras antigas e suaves
como os tapetes da mesquita
que flutuaram sob meus pés
naquele domingo de março
não há letra suficiente
os signos falam uma língua de facas
os signos foram destruídos
os signos foram esquecidos
os signos fugiram pelas ruas
e ninguém mais consegue decifrá-los
estamos balbuciando sons
como numa infância
com sua mudez de aprendizes
como numa infância
de brinquedos quebrados
de caminhos partidos
como "veredas que se bifurcam"
*
*
*

Jussara Salazar
|_a língua das facas // img tema Chiharu Chiota

 


 leia mais no blog https://centrodeartefulinaima.blogspot.com/


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