segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Mostra Visual de Poesia Brasileira - Poesia em Movimento


estranhamente

 

deixo-lhe:

acesa a luz da sala

para que não estranhes.

como também

a da sala de jantar

e mesa posta para o lanche.

 

no  banheiro:

pijama e chinelos

e toalha predileta,

para que nada se perca

no ritual noturno.

 

jornais e contas

de luz e da farmácia

na sala de tv.

 

espero que chegues a tempo

de assistir o último seriado.

 

deixei sapatos na área

para que de manhã

alguém os engraxe.

 

não esqueça

de desligar a televisão,

caso durmas na sala.

 

caso contrário,

vais encontrar o quarto

não como de costume:

 

a luz vai estar acesa,

travesseiros e cobertor

na terceira gaveta do armário

e alguns livros fora do lugar.

 

mas duas coisas hão de estar normais:

o relógio preparado para às seis

e essa coisa,

estranhamente normal,

sobre a cômoda :

deixo-lhe.

 

Antônio Roberto de Gois Cavalcanti (Kapi) Ato 5 – Coletânea – Grupo Uni-Verso – Campos dos Goytacazes-RJ – 1979


OLHAR YANOMÂMI

 

o yanomâmi traz consigo

em seu olhar de ser digno

o mistério da verde relva

no vento um vivo da selva

um yanomâmi tem o foco

fixo não perdido, é luz

transvestida de fluxo e paz

te olha rindo: sabe o que faz

o yanomâmi um ser divino

humano em desenhos gráficos

de corpo alma rios matas

andarilhos de pés descalços

o que ofende no yanomâmi

é seu olhar doce de frieza

nada a dar e tudo imaginar

nem tão feliz nem vã tristeza

faróis de uma floresta densa

brilham olhos luminares

yanomâmis não são lendas

são irmãos...familiares

há algo de muito espúrio

na invasão garimpeira


contaminação de mercúrio

contrabando de madeira

como é possível um povo

tão integrado à selva e belo

viver no desassossego de

mortes fomes flagelos

defendo-os com minha flecha

força do punho em negra tinta

nos acordes do meu instrumento

canto o grito: yanomâmi é vida

 

Luis Turiba

Rio de Janeiro - RJ


Yanomami

Para Sapaim e Américo Peret

 

Quando vieram os filhos

do mênstruo

com suas línguas de pólvora,

quando vieram as ordas

rudes,

 

chama Tupã

chama Xamã

 

Quando vier a luz sangrenta,

quando vierem os deuses homicidas

com sua sede de pedras,

 

chama Tupã

chama Xamã

 

Quando os lugares sagrados

forem tocados a noite virá!


Virá como o hálito da manhã 

pois estarei me pondo

fraco;


a noite vira como vento

pois estarei morrendo:


quando o rio grifar

na terra ácida

sua legenda de sangue.


Ó vento que alinha o destino

ó rito que fala os ancestres!


chama Tupã

chama Xamã. 


Salgado Maranhão

Sol Sanguíneo – 2002 




Ainda que seja tarde

 eu quero

como um quero quero

esse campo límpido

esse mar de água e sal

para o meu corpo olímpico

 

Rúbia Querubim

https://arturkabrunco.blogspot.com/




Atravesso as ruas

Da minha cidade

E sou atravessado

Por flechas, faixas,

Letreiros de neon.

Sou um neófito

Nessa vida atual

E procuro ouvir

O grito primal

Aquele que irá

Me silenciar

Pra sempre.

 

Rubens Jardim

São Paulo - SP




Fernando Aguiar

Poemas Visuais – Lisboa-Portugal 

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