quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Mostra Visual De Poesia Brasileira



olho de lince

para Tchello d´Barros     


onde engendro
a Sagarana

invento
a Sagaranagem

entre a vertigem
e a voragem


na palavra
de origem

entre a língua
e a miragem

São Bernardo e Diadema


mordendo: o vírus da linguagem
no olho de lince do poema

 

Artur Gomes

Pátria A(r)mada

2ª Edição revista e ampliada

Desconcertos Editora - 2022

foto: Letícia Rocha



ANJOS TARDIOS

 

Na palma da mão

a linha da vida

descostura a alma

em descompasso,

alinhava as asas

em pleno voo.

É preciso muita calma

na rota de colisão

entre a partida

e a chegada,

se, ao final,

o destino

nos trouxer

outra surpresa,

virando a mesa

para além das margens.

Na palma da mão,

na linha da vida,

remendos costumeiros

seguram nossas asas

bem comportadas.

Seremos

todos nós

- sem exceção -

humanos desafios

ou anjos tardios?

 

(Nic Cardeal, 20/09/2016 - poema integrante do livro 'Sede de céu', editora Penalux, 2019, p. 153 -

📸imagem do Pinterest)




Pano de Verônica


traçado por você
meu destino torto
ofuscado por seu brilho
meu passado morto
afogado em suas lágrimas
meu coração

arrancado de seus livros
meu gado eunuco
torturado em seus poemas
meu português caduco
esgotadas em seus campos
minhas armas de sedução

habitando seu lenço torpe
minha chuva inútil
escrito em seu caderno roto
meu verso fútil
negada aos meus enfermos
sua extrema unção

coroando minha fronte
seu espinho implícito
levando-me ao cadafalso
seu ato ilícito
sufocando meus sonhos
sua prisão

tecido em suas mãos
meu rosto exangue
pisado por seus pés
meu peito em sangue
colado por seus olhos
meu corpo em grãos.

Adriano Moura. "Liquidificador: poesia para vita mina" pág. 30 (Imprimatur/7letras 2007)



DAS BIOGRAFIAS (1)

 

em negro

teceram-me a pele.

enormes correntes

amarram-me ao tronco

de uma Nova África.

carrego comigo

a sombra de longos muros

tentando impedir

que meus pés

cheguem ao final

dos caminhos.

mas o meu sangue

está cada vez mais forte,

tão forte quanto as imensas pedras

que os meus avós carregam

para edificar os palácios dos reis.

 

Adão Ventura

Belo Itambé -MG

(1939-2004).







                 Poema Processo – Moacy Cirne 


Vera Maria Sarres 




Arnaldo Antunes - Agora








Selvagem

" enterrem meu coração
na curva do rio"
peço
como pediu um índio
que, estrangeiro,
sabia falar a língua
da minha flauta alma,
índia que sou,
selvagem

Se as pernas cruzo
social,
em vernissagens,
a alma é acocorada,
ouvido alerta
para os ruídos
quase nada
de uma selva
em que, matreiro,
o inimigo surja.

Se, requintada,
canapés mordisco,
Dama da Corte,
a alma antropofagicamente,
rosna
o seu pedaço de caça.

Bebo na concha
das mãos
água riacho
quando levemente
seguro a taça
em que me servem
a mesma água.

O banho perfumado
em sabonete e shampoos,
é, apenas,
o verniz
que descascado,
desvenda o banho,
que, em meu rio,
limpo o corpo
com folhas
e flores abertas
madrugadas.

Jamais estive grávida,
mas prenhe;
nunca me nasceram filhos,
os pari,
quando meu grito
primevo
se fez soluço
ao agarrá-los,
fera,
e lambê-los
crias, curumins.

Cheiro, disfarçada,
o ar desses salões
e o meu faro
é faro de onça
na espreita
do perigo,
como só índio
e animal
sabem espreitar.

Meu grito de guerra
ecôa no silêncio,
se palavra cambaia
agride a minha
escuta
e não confundo
doce, àquela que amarga,
mesmo que enfeitada
em pétala de flor.

Sei exatamente
o curso do meu rio,
guia seguro,
mateiro,
meu irmão,
que me levará
a salvo
à clareira
em que adormeço.

Por isso peço:
"enterrem meu coração
na curva do rio".
E meu rio
é esse Paraíba
que se disfarça civilizado,
já que, em cidade corre,
mas que é,
como todo rio,
o que desliza na selva
em que algum dia
nasci.

Lucia Miners 



O COISA RUIM

me querem manso
cordeiro
imaculado
sangrado
no festim dos canibais

me querem escravo
ordeiro
serviçal
salário apertado no bolso
cego mudo e boçal

me querem rato
acuado
rabo entre as pernas
medroso
um verme, pegajoso

mas eu sou osso
duro de roer
caroço
faca no pescoço
maremoto, tufão, furacão

mas eu sou cão
lato
mordo
arreganho os dentes
incito a revolta dos deuses

toco fogo na cidade
qual nero
devasto o lero lero
entro em campo
desempato

eu sou o que sangra
um poeta nato

Ademir Assunção (do livro Zona Branca, 2001)

 

foto: Parícia Bueno 


 Nada nos pertence


Nada nos pertence.
Nada mesmo.
Nem a rua com suas calçadas,
as casas numeradas,
um quarto assombrado,
cinto, vestido, sapato, fivela,
passado.

Nada nos pertence...
Nada mesmo...

Nem o carro com suas rodas,
as placas numeradas,
um banco desocupado,
rádio, bebida, perfume, cinzeiro,
passado.
Nada nos pertence,
nada mesmo!

Nem a agenda com horas marcadas,
as páginas numeradas,
um nome riscado,
caneta, desenhos, arame, papel,

passado.

Nada nos pertence.
Nada mesmo.
Nem o amor com seus cupidos,
as cartas numeradas,
um baralho rasgado,
rei, ouro, copa, coringa,
passado.

Nada nos pertence...
Nada mesmo...
Nem a rua com suas pedras,
nem o bosque com seus anjos,
nem o coração roubado.

Nada nos pertence,
nem mesmo o passado!

Joilson Bessa 



NÓS
poema vencedor do I FestCampos de Poesia Falada - 1999

Senta,
Vai alta a madrugada
E não demora, a manhã vai entrar
Pelas frestas da casa,
Como leite derramado.

Faz tempo que dividimos a comida,
A roupa limpa,
Que contabilizamos dívidas
E regamos com zelo de parteiras,
A flor do nosso sentimento
- rara orquídea multicor –

Vem, senta,
As crianças dormem de janelas abertas,
Não há perigo algum,
Podemos arriar nossas espadas,
Afrouxar nossas defesas
Por instantes,
Pelo menos, até que o dia reponha suas armadilhas.

Olha, as nuvens são alfaias,
Mobílias do céu.
Temos um Deus nômade
Que nos defende à distância
E é impressionante essa galáxia sobre nós,
Enquanto contamos o cobre
que comprará arroz e trigo
Quando amanhecer.

- há muito que nos alimentamos
De aurora e pão –

Senta, esquece a lâmina do futuro,
É hora de içar as imensas velas do amor,
Espalhar no chão nossas roupas íntimas,
Mergulhar no delírio,
O mar que trazemos escondido
Há tanto tempo.

Fernando Leite Fernandes



Regressar

porque se é partida e fuga
e sempre deixamos alguém à espera
É rocha e água este tempo
de areias difusas a paisagem
represada na garrafa

E o gênio à espera
à espera
de caridosas mãos que o desarrolhem
e o tornem eterno e faça-se a história

Que são os anos para quem
vive sob permanente encantamento?
Que é da existência
quando desfeita a paisagem?

Dalila Teles Veras



O Mundo que eu Venci
Deu-me um Amor

O mundo que eu venci deu-me um amor,

Um troféu perigoso, este cavalo
Carregado de infantes couraçados.

O mundo que venci deu-me um amor
Alado galopando em céus irados,
Por cima de qualquer muro de credo.
Por cima de qualquer fosso de sexo.

O mundo que venci deu-me um amor
Amor feito de insulto e pranto e riso,
Amor que força as portas dos infernos,
Amor que galga o cume ao paraíso.

Amor que dorme e treme. Que desperta
E torna contra mim, e me devora
E me rumina em cantos de vitória...

Mário Faustino, in 'Antologia Poética'



O avesso de Abel

I

Alma tem fratura.
Exposta.
Mas não pode imobilizar.
Fratura de alma precisa de exercício.
Dor de alma é coletiva.
O choro é uníssono.
Por isso o estilhaço não calcificado
do osso do meu irmão Caim,
que carpe sozinho no mundo
o mato de miséria e desespero, me (co) move.
Não quero meus ossos no lugar.
O avesso dos outros me humaniza
e me ensina a lidar com minhas dores e monstros.

II

Meus monstros são meus devires:
Devenho planta Devenho bicho
Devenho água Devenho deus.
Sou do tipo que não se completa,
Que vive à borda,
Apenas tange a realidade das coisas.
Nunca as tem.

Quem gosta de ter não devém.
Devir é trânsito.
É estar entre o humano e o cão
Sem chegar a nenhum.

Sou o que nunca é sendo tudo o que alcanço.
Não imito. Avanço.

De Van Gogh,
Sou a orelha decepada
Na noite estrelada.
Sou a coprofilia poética da cela de Sade
No frio,
Me cubro Com o manto de Bispo do Rosário.

Escuto, na surdez da noite,
A sinfonia heroica de Beethoven,
Devorando os insetos em vez de matá-los.
Sou eu próprio a ovelha imolada
No altar de Apolo, por ser todo Dionísio.

Atrás das grades onde me encarceram,
Uiva pra lua cheia cheia meu devir lobisomem.
Podem prender meu corpo, Mas não encarcerar minha alma.

Adriano Moura 

 






Poema Visual - Hugo Pontes


Let's Play That

quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião

eis que esse anjo me disse
apertando minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let's play that

Torquato Neto 

 

 


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