cacos de ossos
sonhos estilhaçados
no chão
palavras dilaceradas
carne incinerada
ditadura
cão
reflexo no espelho
do poema
NÃO
Artur Kabrunco
Vampiro Goytacá/Canibal Tupiniquim
https://arturgumes.blogspot.com/
Arte: Tchello
d'Barros
Você Só Pensa Em Grana
Você só pensa em grana,
Meu amor!
Você só quer saber
Quanto custou a minha roupa
Custou a minha roupa...
Você só quer saber
Quando que eu vou
Trocar meu carro novo
Por um novo carro novo
Um novo carro novo,
Meu amor...
Você rasga os poemas
Que eu te dou,
Mas nunca vi você
Rasgar dinheiro
Você vai me jurar
Eterno amor
Se eu comprar um dia
O mundo inteiro...
Quando eu nasci
Um anjo só baixou
Falou que eu seria
Um executivo
E desde então eu vivo
Com meu banjo
Executando os rocks
Do meu livro
Pisando em falso
Com meus panos quentes
Enquanto você ri
No seu conforto
Enquanto você
Me fala entre dentes
Poeta bom, meu bem
Poeta morto...
Zeca Baleiro
CD Líricas lançado em 2000 pela Ariola
no Studio
Fulinaíma Produção Audiovisual
ouvindo algumas pérolas raras da nossa
melhor MPB presente do meu queridíssimo
amigo Jose
Gil Azeredo com a cia desses
traços expressivos do imenso Jean-Michel Basquiat
Artur
Fulinaíma
www.arturkabrunco.blogspot.com
a casa não é parede
que circunda os ossos da pele
mais que concreto
a casa é o repouso da alma
em tempos de ventos fortes
a casa é simulacro
que respira entre
os poros do forro
é o teto que acolhe
as lágrimas espessas
os risos encorajados de alegria
a casa é o quintal
que circula pelas frestas
é o piso dos pés
que rompem a manhã
é o alicerce suspenso
é o sonho carcomido pela espera
a casa é o tempo
que escorre pelos dedos
é o olho que se projeta no medo
é a circunstância que impõe
o voo da descoberta
a casa é quase
o sentido sem sentir
é aconchego
é faca que corta
a noite escura
é tempero que ilumina
em torno da mesa
o bolo a cereja
a casa é o espanto
da mão que fere
o gozo dos dedos que acarinha
o rosto exposto
o sono desperto
na madrugada fria
é o ritmo do coração
o som das calhas encharcadas
a casa é o colo
o desespero da perda
o vazio que transpassa
o fogo a cama a fumaça
o toldo amparado pela brisa
é a luz do poste na esquina
a casa é o sol guardado
na caixinha de surpresas
o céu enfeitado de
vagalumes
a terra decorada de guirlandas
é o espinho de jardim sem flores
a roupa dos amores
a casa é quase-morte
é renascimento
é invento
é quase-nada
é tudo num minuto
a casa não é o que parece
nem carece de definições
a casa é chegada
é despedida
o entra e sai da vida
toda casa
é recomeço
*
curto palavras
como se delas derivasse
a existência do tempo
percorro suas nuances
seus acentos agudos
suas circunferências
suas entrelinhas
permeadas de vírgulas
e reticências
temo chegar ao ponto final
sem saber direito
o fim da história
se ainda resta memória
para relatar
ou força para parar
a passagem rápida
do tempo
que entre ponto e vírgula
se insinua
com uma acachapante
interrogação
o que é a vida?
de imediato
lanço uma exclamação
sei lá!
e devolvo a interrogação
se és tempo
o senhor da razão
e não sabes
quem saberá
o que é
a vida então?
Dinovaldo Gillioli
NOVA OBRA IMPRESSA!
Comunico com alegria que a plaquete “IR E VIR”, publicada em
Portugal, já está disponível p/ aquisição. A obra reúne uma seleção de minhas
criações em Poesia Experimental (poemas concretos, poemas visuais e escrita
assêmica).
Título: “Ir e Vir”
Autor: Tchello d’Barros (Brasil)
Dimensão: 20 X 30 cm
Preço: 8€
Edição: PaperWiewBooks (Leiria, Portugal)
Encomende seu exemplar aqui:
o pantanal
ainda sangra
peixes ontem
comeram
pendrives
notbooks
e outras coisitas
mais
que tal família
sorrateiramente
cinicamente
descaradamente
lançou ao mar
de
Angra
Artur Gomes
O Homem Com A Flor Na Boca
leia muito mais no blog
https://fulinaimagens.blogspot.com/
Arte: Tchello
d'Barros
Chove
Já não cuido da terra
Hoje a mim cabe cuidar do ladrilho, do azulejo, do beijo frio da porcelana
Não planto uvas
As parreiras crescem longas longe de minhas mãos
Bebo o vinho
Cheiro o vinho
Cheiro a vinho e veleiros
(Longe o lugar de partida)
Mares inteiros
Tantas árvores, cipós, espinheiros
O desenho azul no cimento vermelho
A flor, inerte, pende de suas partes
Como se pendesse antúrios mortos dos meus olhos
Chove
Deixo entrar lírios e rosas
Pelo alpendre do tempo
Chove
Ainda tenho tuas mãos nodosas,
Como raízes suspensas clamando aos céus abundância.
Lázara
Papandrea
— em Curitiba, Paraná
via Ivy Menon
Há cidades cor de pérola onde as
mulheres
"Há cidades cor de pérola onde as mulheres
existem velozmente. Onde
às vezes param, e são morosas
por dentro. Há cidades absolutas,
trabalhadas interiormente pelo pensamento
das mulheres.
Lugares límpidos e depois nocturnos,
vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águas
celestes.
Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos
estremecem. Mulheres que imaginam
num supremo silêncio, elevando-se
sobre as pancadas da minha arte interior.
Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas
nem dedos. Onde consumo
uma amizade bárbara. Um amor
levitante. Zona
que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos
pensadores. Para que algumas mulheres
sejam cândidas. Para que alguém
bata em mim no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiram
o fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
o minha loucura, escada
sobre escada.
Mulheres que eu amo com um desespero fulminante,
a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.
Dentro de minha idade, desde
a treva, de crime em crime - espero
a felicidade de loucas delicadas
mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.
Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delírio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça
ardente: - E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente."
In: Herberto Helder.
Lugar – Poesia toda.
Assírio & Alvim, 1979.
''Mais cedo ou mais tarde
o silêncio virá
perguntar por ti.''
Albano Martins
Jean-Michel Basquiat
Silêncio
Me deixem quietinho
dizia meu filho
e agora digo eu
Me deixem quietinha
dizia minha filha
e agora é minha vez
Você ouviu
você leu
você pagou
você fez
todo o silêncio do mundo
que tanta boca me inquieta
por breves minutos
um copo de silêncio
para esse casmurro
ou mesmo um pouco de água fria
numa garrafa azul de plástico
Quem sabe amanhã
ou talvez noutro planeta
este vagabundo assim cometa
quase que um poema
um texto curto para jogar no lixo
um conto longo para deixar estrábico
um cometa
uma faisquinha assim de nada
que suba dance e desça
uma moeda para pagar o pão
uma caneta para rabiscar
o chão
Silêncios sentados
sobre colos de silêncios
em cadeiras de camurça
Por pouco tempo meus óculos
novos e limpos com uma limpeza
de enxergar
os bêbados do outro lado da avenida
Silêncio para poder pensar
quem sabe eu escreva
sobre as crianças que não têm futuro
ou sobre os velhos que não têm
presente
(mas de mim não falo nunca,
minto sempre)
eu nada valho
na verdade eu pouco falo
além do mais não gosto de falar
enquanto escrevo
e tenho medo
de não deixar nada para ninguém
nem uma página completa
para meus filhos
e nem risadas
uma casa com tapetes e vidraças
um bom telhado
que suporte o escorregar dos anjos
um quintal com grama farta
para esconder meu sangue fraco
por pouquíssimo tempo
até que passe o pânico
um quase nada de silêncio
uma coisa assim tão breve e pouca
para tapar os podres furos
dos meus corpos
e entupir de pausa e vento
as minhas bocas
(André
Bolívar)
*
com quantos silêncios
se faz uma palavra
no cinema da sala
?
com quantas palavras
se faz cinema
no silêncio da fala
?
Gigi
Mocidade
www.porradalirica.blogspot.com
BERÇO
E o homem retorna ao seu lar
no plano equatorial do planeta
e sua óptica adaptativa rumo a um passado
que ainda deve revelar muitos outros
em sua jornada inquieta e inexplicável.
E seu machado ainda estava lá, atrás da porta.
E o homem abre sua janela, e responde a um bom-dia
a seu assistente virtual, e pega um pouco de café.
E olha para seu horizonte e suas atividades
biológicas
[sua fração de oxigênio na atmosfera.
“Tem alguém aí?”, ele pergunta.
E eis que o homem olha para o vazio através do
tempo.
E pensa em exoplanetas e nos castigos que moldaram
sua casa:
[Terra: pancadaria de meteoros, vulcanismo,
glaciações.
E tudo isso para que ele estivesse ali, sentado em
frente à natureza
que ainda lhe resta, sob os moldes da mesma janela.
[Sua vida 5.0; seu passado enigmático.
Talvez pudesse chorar um pouco, sem culpa ou
remorso.
E eis que o velho machado bem poderia enferrujar
um pouco também.
E o homem apaga as luzes com uma voz de comando.
[embargada, sofrida, acanhada.
Mas não fecha a janela, e estica as pernas e deixa
os braços
caírem, e estufa o peito um pouco mais.
E cada minuto é um fóton, uma faísca,
um fiat fatal.
E olha para os dedos de sua mão esquerda:
[a pele enrugada, os ossos pontudos, uma seca
imprevista
[e inevitável.
E já não há mais como retornar ao começo das
coisas,
mas ainda há tempo de ler uma história de amor:
[uma história sem sentido; carnal e piegas.
Dessas que não se contam mais:
A boca sedenta, um beijo jogado na outra margem
da via/vida; dois drinks de Martini; um bilhete
molhado
à tinta e à saliva; esses desesperos escassos que
já não
brilham nos olhos de quem quer que seja.
Mas o homem conta os segundos e seus algoritmos;
sua idade digital; seu plano de saúde; as batidas
de seu
cryptocoração.
E o homem pega um pouco mais de café.
e come um pedaço
de não.
(Nathan Sousa)
meu coração marisco
na tua areia
em tarde de sol à pino
em noite de lua cheia
Artur Fulinaíma - foto.poesia -
Despedida
renegar a terra não nasceu em mim
logo que minha mãe menina demais para
entender
a bolsa que se rompia em ondas
latitudinais
nem mesmo quando nasci
olhos azuis de jabuticaba
louca de vontades de árvores e rios
peixes casca flor
renegar a terra não vingou em mim
nem depois que tive a primeira fome
de prato cheio
e excesso de canções raiz saudade e
chuva a furar o chão
eu a rebentar poças de lama e
arco-íris entre o espelho
menina louca de palavras
construí folhas
renegar a terra não me desceu ao
ventre quando cavei com as próprias unhas
lago para me afogar a sede
a dor
a angústia de irreconhecíveis
horizontes
a música a me dar esperança de
re_crer no destino comendo ventavais
mastigava cabelouro
atrás da porta para ficar bonita me
fazia imensidades
de restos
e pedras partidas
renegar a terra não é para mim nem
mesmo na poesia ordinária de outono
eu quase-inverno
por ora
no fim da linha há cerol e os
pescoços sangram colares de pérolas
quebrados os dentes de porcos
passarinhos insatisfeitos
de asas e afetos decidi me fazer sim
depois de um oceano no chão outro no
céu azul de jabuticabas
toda olhos
permito que a vida dance poesia sob
meus pés
“Nunca tinha implorado por nada na minha vida, mas silenciosamente pedia que me dissesse que me amava. Que se importava comigo... Alguma coisa. ”
Mario Bendetti
O Cão Sem Plumas
A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.
O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.
Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.
Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos povos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.
Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.
João Cabral de Melo Neto
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