Jura secreta 34
por que te amo
e amor não tem pele
nome ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos
mas não tenha medo
pode sangrar pode doer
e ferir fundo
mas é razão de estar no mundo
nem que seja por segundo
por um beijo mesmo breve
por que te amo
no sol no sal no mar na neve
Artur Gomes
poema do livro Juras Secretas
Litteralux – 2018
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Entre/Vistas
Inquisição : Uma Outra
*
Simone
Bacelar - Como você imagina que os leitores irão se conectar com o
personagem principal de "Vampiro Goytacá"? Há elementos específicos
na cultura Goytacá que você acha que serão especialmente ressonantes ou
intrigantes para o público?
Artur Gomes – Apesar de ser Goytacá o
vampiro é um andarilho que anda os telhados do presídio Federal de Brazilírica,
um observador atento do que se passa pelos bastidores dos palácios. Acredito
que ele tenha nascido em 2000 em alguma passagem do livro BraziLírica Pereira :
A Traição Das Metáforas
Simone Bacelar - Quais são os desafios e as recompensas de escrever um
livro que mistura elementos sobrenaturais com uma rica herança cultural como a
dos Goytacás? Como você equilibra o respeito pela história e as lendas dessa
cultura com a liberdade criativa necessária para desenvolver a narrativa?
Artur Gomes – Os desafios são muitos, e
enormes, já as recompensas não posso
prever se virão. Tentei algumas narrativas provocativas
deixando a interpretação por conta de cada um. Não sei como o leitor campista, irá recebê-las
e digerí-las , mas esta nem é a meu ver a grande questão, a questão é provocar esse choque, sonhar tirar a cultura Goytacá da sua estagnação espacial
e levá-la a outras plagas erguê-la acima da planície para que outros ou mais olhos
possam lê-la, já que não foi escrita pelos “historiadores oficiais”, graças a
deus sim senhor. É poesia e ficção, não existe
compromisso com a “história”, mas com a criação.
Fernando
Rossi - Como foi pensado a construção do "Vampiro Goytacá"?
Artur Gomes – Foi sendo criada aos poucos,
no correr dos anos, a partir do que cada personagem viveu e escreveu a partir
do momento em que foram criados. Eles não nasceram no Vampiro Goytacá, já
estavam presentes em livros anteriores. E a ideia de “Vampiro” me surgiu de
estalo, num período em 2023 em que fiquei hospedado no Hotel Amazonas,
observando aquelas paredes, caminhando por entre os seus corredores. Ah!
Quantos mistérios, quantas estórias que não foram contadas?
Fernando Rossi - Onde termina a ficção e
fica a realidade nessa obra?
Artur Gomes – A ficção começa a partir do
fato de que cada personagem tem suas viagens, suas narrativas, suas vivencias
detalhadas por vários “campos” do planeta terra, não são campistas, e nem em
Campos dos Goytacazes moram, são seres andantes, viajantes no tempo e no
espaço, mas acredito que não findam aqui
, o livro é uma obra inacabada, e as realidades nele são realidades reinventadas.
Dinovaldo Gillioli - Quando
venta a poesia na sua cachola de pólvora, que fogo anuncia?
Artur Gomes – O fogo de Iansã é vento de
tempestades, todos os meus personagens femininos tem um pouco dessa ventania da
não definição em suas sexualidades, não só os femininos mas alguns masculinos
também, acredito que a poética neles nasce daí, do desejo de matar a fome
comendo o que estiver ao alcance de suas mãos.
Dinovaldo Gillioli - Das palavras que ficam, das que somem, o que
mais te provoca lobisomem?
Artur Gomes – Acredito que em cada um de nós
poetas, tem um pouco de vampiro um pouco de lobisomem e as palavras que fiam
são exatamente aquelas, que no momento exato flui do homem e sua hora e as que
somem são exatamente aquelas que tem mesmo que ir embora.
Tanussi Cardoso - Em sua obra, há uma carga estreita entre sua
vida e sua poética. Questões como a linguagem, o ofício do poeta e, igualmente,
os grandes desafios cotidianos, incluindo a amorosidade carnal e espiritual,
tudo isso, num verdadeiro comprometimento com o mundo que nos cerca. A sua
poesia – para quem acompanha sua obra – tem voz própria, única, reconhecida à
primeira leitura. De que modo você pensa a coisa ética na produção de um
artista?
Artur Gomes – Creio que todas essas questões colocadas acima foram aos poucos me dando a consciência do que é ser poeta, artista, um ser dedicado a criação de linguagens e os desafios do cotidiano que nunca foram poucos. Se eu fosse pensar em ética, talvez não escreveria metade do que tenho escrito ao longo desses 52 anos de produção poética. Me preocupa mais a experimentação, o processo criativo para chegar na finalização de uma escrita, seja ela prosa ou verso. Talvez meus personagens nem tenham ética mesmo, pois se tivessem não satisfariam os meus desejos da forma que podem e querem.
Tanussi Cardoso - Você, além de um poeta exponencial, é um
grande produtor e agitador cultural, desde o final dos anos 70. Qual a
importância dos eventos e movimentos culturais, na produção brasileira atual?
Artur Gomes – A partir da minha entrada para o Teatro em
1975, comecei a perceber a diferença como um público percebe o texto lido, e o
texto falado. E aí entendi que a poesia muitas vezes precisa da fala para ser
melhor sentida por quem ouve, que vai muito
além do que é entendido por quem lê. E aí entra também a questão da
falta de incentivo a leitura, para a maior parte da população do planeta terra.
E os Saraus, as Balbúrdias são fundamentais a meu ver para tentar preencher esses vazios, essas
lacunas.
Tanussi Cardoso - Em que momento ou circunstância você se deu conta da poesia possível em
você? Ou seja: de onde vem e como nasceu o Artur poeta?
Artur Gomes – Artur Gomes o ser humano, nasceu em 27 de agosto de 1948 na Cacomanga, começou a escrever poesia na tipografia da Escola Técnica de Campos em 1961. E a partir de 1973 começou a publicar. Mas acredito que o Artur Gomes poeta nasceu pra valer a partir de 1983 quando comecei a ter contato com a poesia dos grandes mestres da poética universal, com a criação do projeto: Mostra Visual De Poesia Brasileira. E a partir daí veio em 1985 o livro Suor & Cio, a focar todas as questões que envolvem os relacionamentos humanos dentro da sociedade ondem vivem.
Tanussi
Cardoso - Para você a literatura, ou a arte em geral,
exige algum papel social de seu criador? Se positivo, qual seria o papel social
do artista, principalmente, o do artista brasileiro?
Artur Gomes – Acredito que sim. Porque toda arte e a literatura a meu ver também é, tem seus princípios e fundamentos. E o homem é um ser social que mesmo sendo um artista não pode se eximir dessa condição. Agora no Brasil, essa talvez seja a questão mais complexa para quem tenta viver de sua arte, porque aí começa a surgir por exemplo, os valores dos mercados da arte, a não aceitação de um grande público consumidor, e isso acaba levando a maioria do artista brasileiro, a seguir por caminhos que menos conflitem a sua arte, seja música, poesia, teatro, artes plásticas, cinema, com as condições impostas pelos donos do mercado.
Tanussi Cardoso - Como você vê a poesia brasileira contemporânea?
Artur Gomes – Vejo com uma
diversidade nunca antes vista e uma expansão imensa na quantidade de poetas que
surgem em todos os cantos e recantos do país, e do planeta, produzindo uma
poética de altíssima voltagem. E muitos deles utilizando-se dos recursos
tecnológicos que tem em mãos, com
sensibilidade e inteligência.
Eugênia Henriques - Irina, esse ser meio apaixonante... Irina
existe mesmo ou é um lindo nome propício a uma rima ?
Artur Gomes – Irina não é assim tão santa como uma bela rima . Irina é ficção de uma paixão platônica pela palavra que lhe dá o nome como um bom prato que a gente come para saciar a fome. Acho que ela deve existir sim no inconsciente coletivo personagem que é um ser vivo para muito além das mortes. Certas palavras me vem assim num sopro ao sabor do vento nas minhas viagens metafóricas.
Eugênia Henriques - O Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim é
médium? Exótico é o coração do Vampiro Goytacá: ora povoado de musas ora cravando os dentes em alguma carne
insensível. Como pode, no coração dele, coabitar lirismo e atrocidade?
Artur Gomes – Acredito sim, que em todo ser humano cabe um pouquinho de mediunidade, ou uma multiplicidade de Eus, que nos possibilita a metamorfose das personalidades que extravasamos de acordo com o nosso instante no “estado de poesia”. O Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim, no livro não é um. São 12 personas em seus estados brutos de lirismo ou em seus momentos de amores traídos e não concretizados como tudo o que não fizeram em seus encontros marcados.
Carmen Moreno
- O poema “Meu santo dai-me” revela a poesia, e a arte em geral, como um
remédio. As diferentes linguagens artísticas, tão bem integradas na sua
criação, curam sua alma e seu corpo? Curam o Vampiro?
Artur
Gomes – Meu corpo e minha alma sim. Mas
se curam o Vampiro Goytacá ainda não sei, porque ele continua atravessando os
telhados do presídio Federal de Brazilírica para provocar suas balbúrdias diante
do estado de coisas em que nos encontramos. E talvez seja esse fogo, essa febre
ardente como água quente que o faça assim em vários multifacetado.
Carmen Moreno - Neste livro, que reafirma seu perfil autoral, o inconsciente flui de forma generosa, agrupando palavras em metáforas originais e dinâmicas. Há, inclusive, muitas referências a autores e leituras diversas. Como funciona seu processo de seleção, ou “organização”, para o formato de texto, desse fluxo farto do seu inconsciente criador?
Artur Gomes – O meu processo de criação não é muito organizado não. Só a partir de alguns poemas, textos, narrativas escritas, que vou entendendo com mais clareza qual o personagem, de quem é a v0z autora desse poema ou dessa narrativa, ai é que penso como organizar em livro a sequência do seu repertório. Como já afirmei várias vezes, não planejo muito as coisas, deixo que elas fluam e ocupem o espaço branco da página, para que eu possa refletir o que fazer com elas.
Carmen Moreno - O livro é permeado por uma atmosfera de humor e leveza, mesmo quando o teor do poema/ texto retrata um fato mais denso. O humor também é sua marca na vida?
Artur
Gomes – Acho que sim, o humor deve ter sido herdado de Oswald de Andrade e o
teatro apesar de ser arte dramática, foi o que me ajudou a ser bem humorado,
muitas vezes irônico e sarcástico até. Aprendi a contornar os dramas da vida
real com a fantasia das metáforas, as figuras de linguagens do meta/poema/meta.
Uma forma que encontrei de rir do trágico sem fazer tragicomédia.
Antônio
Cunha - Amigo Artur, o Vampiro Goytacá é
o nosso Canibal Tupiniquim. Quem é, quem são ou o que são os Bispos Sardinha da
vez?
Artur
Gomes – Acho que são vários espalhados
pelos telhados dos presídios brazilíricos. Os fantasmas que precisam ser
trucidados urgentemente para que o país volte a ser um país. E que talvez, país
mesmo de fato nunca tenha sido.
Antônio
Cunha - A poesia não pode acomodar. Na
sua, a palavra arde. Esta é a meta e o alvo?
Artur
Gomes – O alvo são os olhos dos
distraídos e acomodados, os que poderiam e podem fazer alguma coisa para que
essa cruel realidades das coisas que vivemos no Brasil fosse mudada, mas pelo
contrário só contribuem para que a realidade continue e se perpetue mais cruel
ainda.
Antônio
Cunha - Você é um poetator. Há algo na
poesia que só a palavra dita alcança para além da palavra escrita e vice-versa?
Artur
Gomes – Sem dúvida acredito, porque
testemunho os resultados de tudo o que escrevo quando é lido, e quando é por
mim interpretado, dito, falado. Por isso uma das coisas que contribuíram a me levar para o teatro foi querer aprender
a falar poesia. Em 1975, tinha 3 livros publicados, e me incomodava não saber o
que os leitores achavam quando liam, que sensações ou impressões tiveram do que
leram. Daí a partir do teatro, comecei a ter essas respostas. o furor que a
poesia falada pode provocar em quem ouve.
Jiddu
Saldanha - irmão, meu mestre
Artur Gomes. Viajamos por muitos lugares, essas fotos me fazem chorar porque só
quem viu viu, só quem viveu viveu... Simplesmente LINDRO! como você
conseguiu tornar a poesia uma causa de vida, durante toda uma vida?
Artur Gomes – Acho que a própria vida vivida foi me levando a fazer da poesia o meu ofício, a minha forma de viver e me relacionar com as pessoas mais próximas, ou até mesmo as mais distantes mas que de alguma forma tenha tido a felicidade de me contactar com elas. Só através da poesia consigo dizer o que é mais fundo, mais profundo em mim. Isso foi um processo de aprendizado, não nasceu de uma hora para outra.
Muitas circunstâncias fatos, amores vividos, amores perdidos, vitórias e fracassos, cada um desses acontecimentos acredito que foram sedimentando um caminho para que eu pudesse me compreender melhor e entender todo o sentido do que seja nossa vida aqui nesse planeta terra.
Antes que alguém
morra escrevo prevendo a morte
arriscando a vida antes que seja tarde e que a língua da minha boca não cubra
mais tua ferida.
Cesar Augusto de Carvalho - No subtítulo, “poesia muito prosa” você já anuncia que seus poemas o aproximarão mais da prosa poética do que aos padrões formais de versificação. Por quê, exatamente nesse, Vampiro Goytacá, você optou pela, como gosto de chamar, proesia?
Artur Gomes – Em livro anteriores, eu já experimentava
narrativas em prosa, mas de uma forma tímida, cautelosa, nesse como percebi que
algumas narrativas os personagens, não teriam condições de escrever com o rigor
que o poema exige, em verso, resolvi ampliar o leque da escrita em “proesia”
mesmo.
Cesar Augusto de Carvalho - Em seus livros anteriores há inúmeras referências à obra uilconiana. Aliás, um deles leva o sobrenome de Uilcon no título, o BrazyLírica Pereira. Neste Vampiro você cita figuras de linguagem criadas pelo Uilcon Pereira como, por exemplo, Assombradado, Biute e outras referências mais. Sinto, como leitor, que a influência de Uilcon em seu estilo vai além das referências. Minhas suspeitas têm algum fundamento?
Artur Gomes – Sim, ninguém melhor que você para testemunhar isso. Uilcon foi e continua sendo um grande guru, mestre, de muitos escritores que tiveram a felicidade de conviver com ele, e se enriquecer com a literatura criativa que ele criou. Convivi com Uilson de 1983 a 1996, pessoalmente nos grandes encontroes, promovido pelo Gabriel de La Puente(nosso Ponte Grande), e na farta correspondência que trocamos por todo esses 13 anos. Meu livro Suor & Cio de 1985, tem prefácio assinado por ele.
Erorci Santana escreveu uma resenha maravilhosa sobre o BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas também tocando nesse assunto das referências. Nesse Vampiro Goytacá, eu crio a partir de Assombradado e todos os personagens os serAfins são derivações “biúticas” mesmo, sem nenhuma vergonha de ser.