terça-feira, 1 de novembro de 2022

Poesia em Movimento - Mostra Visual de Poesia Brasileira



Ainda

 

Estou pagando as prestações

dos janeiros de minha mãe.

 

As casas que sonhei

são palavras-úberes

crescendo sobre a pradaria. Rebanhos

 que trafegam com meus artelhos.

 

Aqui, ergueram-se as núpcias

 verbais dançando à chuva. Sou parte

desse rito e desse esquecimento.

 

 Aqui, esteve uma faca

sobre a mesa e a certeza

 atravessando os mortos.

                           Nas relíquias

que o sol deixa aos olhos.

 

Hei de esperar-te, estrela inomeada, acostado ao cortejo

do mundo (e à majestade de tuas fraturas); hei

 de livrar-me do tanto

que me inundas em teu seio

de sangue e mosto.

 

Tu que me ensinas a morrer de mim,

 a exceder meu próprio arrendamento

 

Salgado Maranhão

In Pedra de Encantaria

Editora 7Letras - 2021



Visão

 

Te encontrar numa praia

de areia muito branca e mar muito azul.

Pegar os teus dois olhinhos marrons

e coloca-los num vidrinho em cima

das pedras brancas da encosta.

Ficar ali a ver o mar

e a olhar os teus olhinhos

e a lembrar que nem tudo

o que está posto no mundo

é para se pegar com as mãos.

 

Michaela Schmaedel

In Coração Cansado

Editora Penalux - 2020



poema para marielle franco

rascunhado na noite de sua brutal execução



certeiros, os projéteis

                             da janela

                            da mira

                           do gatilho

atingem o alvo



calculadas, as balas

                      na cabeça marcada

                      na mente visada

                      na ação inadequada

cumprem a função de calar



não foi apenas o sangue

jorrado na execução

não foi apenas a carne

(negra, para não fugir das estatísticas)

caça abatida no voo, ração

provimento dos sem razão



ali, naquele automóvel

ensanguentado

e

incômodo

foi abatida a utopia

        calada uma voz que era de muitos

        derrubado o pilar da esperança

        executada a possibilidade de redenção

 

Dalila Teles Veras

In tempo em fúria

Edições

Alpharrabio - 2019



ALENTO

 

Do alento desta janela

que se abre para dentro

vou me deparando

com tantas sombras,

penumbras de mim,

rugas já tão antigas,

rusgas desconhecidas

ressurgindo ao vento,

tempestades de mim

revirando ao avesso.

Desfaço-me em sustos,

sussurros e tropeços.

Não me conheço.

Desfaleço.

Sou aquela que não me encontro.

Sou aquela que não me encanto.

Do desencanto desta janela

que se escancara para fora,

vou me encarando

pouco a pouco.

Já é muito.

Muitos escuros de mim,

desencantos que desconheço.

Aluga-se uma alma (deso)culpada.

Paga-se pouco

ou quase nada,

sem perigo de despejo,

sem aviso de desespero.

Nos labirintos

um desassossego

que desconheço.

Desconexo.

Reconvexo.

No vasto mundo tão completo.

No amplo e no perplexo.

 

(Nic Cardeal, 28.10.2015 - poema integrante do livro 'Sede de céu', Penalux/2019, pp. 55/56)

 



ELEGIA 1938

 

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,

onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.

Praticas laboriosamente os gestos universais,

sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,

e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.

À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze

ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra

e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.

Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina

e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas

sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.

A literatura estragou tuas melhores horas de amor.

Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota

e adiar para outro século a felicidade coletiva.

Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição

porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

 

Carlos Drummond de Andrade



A Rosa do Povo

para Drummond, Darcy Ribeiro e Oscar Niemayer in Memória

 

a rosa de Hiroshima ainda fala

a rosa de Hiroshima ainda cala

Frida e seus cabelos de aço

Picasso pintou Guernica

e quando os generais de Franco

lhe perguntaram:

- foi você quem fez isso:?

ele prontamente respondeu

- não, foram vocês que fizeram.

 

Agora trago a Rosa do Povo

para os dias de hoje nesse Templo escuro

quem poderá viver nesse presente?

quem poderá prever nosso futuro?

nem Zeus nem o diabo que os carregue

eu quero um reggae um arte lata

a vida é muito cara nada barata

eu sou Drummundo Curumin - no fundo

Tupã Rebelde não pede arrego

poesia é pra tirar o teu conforto

poesia é pra bagunçar o teu sossego

 

Artur Gomes

leia mais no blog https://fulinaimagens.blogspot.com/




 com uma câmera nas mãos

um poema na cabeça

vamos filmar o poema

antes que desapareça

 

era uma vez um mangue

e por onde andará Macunaíma?

na tua carne no teu sangue

na medula no teu osso

será que ainda existe

algum vestígio de Macunaíma

na veia do teu pescoço?

 

Artur Fulinaíma

 

Mostra Cine Curtas – Cinema Ambiental

veja na página https://www.facebook.com/cinevideocurtas




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