BraziLírica Pereira :
A Traição das Metáforas
*
A Traição do Lirismo
Dalila Teles Veras
Artur Gomes, feito gume, é máquina devoradora do mundo. Mastiga coisas, afetos, pessoas, rumina e afia os elementos em sua navalha verbal e os transforma na mais pura poesia.
Dono de uma criatividade em permanente ebulição, hábil no verbo e na disposição visual do mesmo no espaço do suporte - papel ou pano -
bandeira a gotejar palavra que, não raro, é também palco e gesto,
(in)cenação a complementar e enriquecer o que a palavra muda já disse, a dizer outra coisa que é também a mesma coisa: poesia.
Poeta em tempo integral, como poucos ousaram ser, Artur Gomes constrói,
sem pressa (os anos não parecem pesar - na carne nem no espírito)
a sua delirante e criativa poesia, colagem da colagem da colagem,
(re)encarnação mais do que perfeita da antropofagia como nem mesmo o velho Serafim sonhou. Nada, absolutamente nada escapa à sua devastadora e permanente passagem, andarilho de poderosa voz a evangelizar para a poesia.
Este Brazilírica Pereira: A Traição das Metáforas é a continuação
de um enredo de há muito ensaiado. Seus atrevidos personagens já apareciam em Vinte Poemas com Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção Com Sabor de Campos.
Legítimas apropriações retiradas de
suas viagens brazílicas, figuras que a sua generosidade literária
faz questão de homenagear. Na passarela poética de Artur,
tanto podem desfilar Mallarmé, Faustino, Dalí, Oswald,
Baudelaire, Drummond, Pound, Ana Cristina César e o sempre lembrado mestre Uilcon Pereira, a quem o novo livro é dedicado, como personagens anônimos encontrados nas quebradas do mundaréu, além dos amigos,
objeto constante de sua poesia.
Neste caldeirão, “olho gótico TVendo”, entra até um despudorado acróstico, rimas milionárias em permanente celebração. O poeta Artur, disfarçado de concreto,
celebra descaradamente a amizade e o lirismo e ri-se de quem tenta classificá-lo. Evoé, Artur!
A
uilcon pereira
por seu eterno
coração de boatos
a carlos lima
que por seu poema 1968
me permitiu o sub-título
a todos os cúmplices
que por falta de munição & Money
não citados
na batalha
desta fake inquisição de um pós-real
tropicanalha
às musas metafóricas
Analice e Ednalda
para Alice Flora e Filipe
axioma para final de século
p/Carlos Careqa & Hélio Letes
a diferença
entre o legume
e o vegetal
VER/dura
mineral
nas minas do quintal
fruto menstrual
no ancestral pomar
das coxas
inquisição:
por sermos duas metáforas novas frescas gostosas desoprimidas e sem qualquer pseudo complexo de fidelidade é que estamos aqui em brazilírica pereira por sugestão da uilcona biúka diante desta outra inquisição. não ainda não fomos apresentadas a lady federika bezerra. mas a conhecemos pela sua fama internacional de porta/bandeira. macabea não pode se sentir frustrada pela nossa decisão de estarmos aqui neste confessionário. Primeiro porque não temos e nunca tivemos nenhum compromisso com ela. segundo é que alinhamos em outra frente liberal e desfrutamos de todo direito de ir e vi ter e dar prazer gozar da forma que melhor nos convir. sexo? é uma opção de gosto mesmo. até no palco porão? irônicas? Sim nosso mestre serAfim nos ensinou que do sarcasmo nasce a grande arte. mas o importante é que nós como metáforas não precisamos estar somente em entre/linhas estamos também nas entre/tuas entre/minhas e não se trata de traição procuramos fazer algo diferente por exemplo do que já vimos em filmes de godard construídos em larga medida só com citações e referências apoiando-nos nas coplagens como elementos básicos para ultrapassá-los e transcendê-los. agimos como uma espécie de conspiradoras conscientes dos bens culturais e materiais que nos pertencem como patrimônio da humanidade.
uma outra
não deveria portanto macabea vociferar aqui sua ira acusando-nos veladamente de traidoras sem assumir de fato em atitude pública a destilação desse veneno como palavra que não entra em cena. as belas letras para nós começaram através das letras belas narcisas pelos próprios nomes: metáforas e por fidelidade a federika não traímos macabea apenas não fazemos parte de uma mesma concepção de que a palavra parte e as letras que pretendemos belas não são simplesmente nossas muito menos dela. podemos constatar com gratidão que emergem das lendas fábulas crônicas e contos poemas de uma visão de mundo bem nítida e pessoal talvez quiçá quem sabe única reflexão de ruidurbanos restos de gravuras e resíduos tipográficos ou seja: uma série de gestos amorosos eróticos de novo repletos de ironias sensuais doce fervor fogo de malícias explosão e gozo por sinal diga-se de passagem que essas dimensões éticas jurídico-morais nunca nos interessaram. nossas relações com a propriedade privada em todas as suas formas e cristalizações históricas sempre foram tranquilas e sem remorsos.
1968
ou
: a investigação
uicorneana
quem és tu uílcon prereira?
que foste fazer na sorbonne?
ter aulas com sartre
ou cantar a simone
?
A
nomes ou numes?
- a massa um dia comerá os biscoitos fino que fabrico, cantarolava du boi pelo grande sertão serafim. pesava o trigo lavava a roupa amassava o pão. jesus um velho coronel de joão gullar não querendo saber das massas mandou empastelar a padaria e incendiar o matadouro do caldo de cana. du boi pensou então em ir embora de brasílica pereira: sertãzinho santo André ribeirão rio preto batatais e por fim nova granada de ouro preto e espanha. vestiu seu uniforme de gala e foi prestar depoimento na cpi das metáforas: - como produtor das artes cínicas e mentor intelectual da sacanagem federiko de albuquerque baudelaire vulgo du boi mestre/sala do grêmio recreativo e escola de samba mocidade independente de padre olivácio tem somente a dizer que virgem aqui só eu. as demais podem dar o capricórnio peixe aquário vênus quem sabe até a balança mas não cai. como mestre/sala dos prazeres invisíveis no inconsciente coletivo entrego a vocês o destino das metáforas e volto à ilha das sereias. biscoitos finos massas padaria nem pão que o diabo amassou às mulheres deixo somente a fome e meus olhos genitais.
antiLírica
eu não sou zen
muito menos zhô
nem tão pouco
zapa
não ando na contra capa
do teu disquinho digital
não alinho pela esquerda
nem à direita do fonema
vôo no centro/viagem
olho rasante/miragem
veia pulsante/poema
drummundama itabirina
fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. Brasílica amanheceu incrédula: manchetes vozerios falatórios assembleias faixas cartazes por todas as vias multivias multimeios os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim. e margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. mas césar que não é castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela. e um dia fedra sorrindo com o pênis/baton na boca foi a boca de laur da fedra e voltou com o luar na boca.
Dora und
(poema de 7 faces) in alguma poesia
quando nasci
um anjo alado -
- daqueles viciado
em parati
meu deu um tapa na bunda
pra que eu logo transformasse
todo horror guardado em pranto
- foi ele cortar o umbigo
do sangue eu beber e berrasse –
: drummundo pra todo canto
ilusão de
Ótica
esse Não ç dilha
quando o poço
é mais pra fossa
todo nervo
é mais que osso
todo mar é uma ilha
todo samba é mais pra bossa
um lance
de dados
doze e quarenta
e seis
mallarmè
na hora incerta
dormindo
visível na besta
sinal inviável
na quarta
dedo de deus
na segunda
jogando dado
na sexta
Leminsk i
Ando
só olho ana à vera
faça outono ou primavera
quantas eras
quantas anas
em carNA val
meu olho disse
:
ana à vera
vera ana
ana clara
claralisse
vejo ana
lendo Eunice
quando li
só vi lu ana
e
ana ali
só vi
li ana
ana/verso
anAlice
macabea
vocifera
lady gumes a diretora geral do brasilírico presídio federal de
assombradado impressionada com a decisão pungente das metáforas em produzir
libertinagens traçou um plano para que as meninas pudessem vez em quando
sobrevoar os céus do parador em grande falo gigante capricórnio tropical
macabea a ofendida tentou de tudo: forjou mentiras corrompeu
guardas comprou juízes cooptou alunos advogados de deus e do diabo
- “não estou aqui para que pintores sem a mínima competência
tentem lambuzar com qualquer tinta de porra a minha estrela que não sobe”
vociferava
mas a lady decidida prosseguiu afiando a faca de dois gumes e
no momento exato final e derradeiro serrou as grades de ferro que amarravam as
portas do corredor central assim feito as metáforas puderam saborear o vôo do
zepelin rasante com seu músculo animal e
as metáforas se abriram igualzinho igual a geni da tropicália a filha do chico
da mangueira
marcabru
deliricamente a metáfora
está aí felaCão de bruxa claudeirão de carne osso sangue suor cer
Veja agora
seja
como um jogo do acaso tradição de vida e corte
severina
zeferina
atrevida marte
morte
macabea travestida no grande círculo místico das
letras
:
Mulher/macho homem fêmea atirador de facas engolidora de fogo
bailarino domadora trapezista na escala do 3x4 mascarada ou de retrato seu
corpo vale ninguém
Artur
Gomes
Do livro BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas
Alpharrabio Edições – 2000
leia mais no blog – Vampiro Goytacá
https://arturgomesgumes.blogspot.com/
Delírio Verbal e Preito
em BraziLírica Pereira
O livro, altar em que se celebra poetas do
conturbado século XX, traz a poesia do poeta fluminense Artur Gomes, situada
na interface da praxis artística e da experiência existencial, advinda do campo
das escaramuças lexicais e da experimentação alegórica.
Erorci Santana*
BraziLírica Pereira: A Traição das Metáforas (Alpharrabio Edições,
Santo André/SP, 2000), obra poética de Artur Gomes, toda
grafada em minúsculas, principia com dois textos ou, melhor, intertextos com
lastro na obra do escritor Uilcon Pereira, espécie de
homenagem a desvairada letra uilconiana e à figura daquele
escritor. Tanto que, no sintético poema que arremata esse preito
literário, Artur o invoca através de uma circunstância
biográfica datada:
“quem es tú uilcon pereira?/que foste fazer na sorbonne?/ter aulas com
sartre/ou cantar a simone?”.
Contudo, e apesar da primazia de Uilcon Pereira nesta festa
verbal, é vasto o coração dessa usina lírica, BraZilírica Pereira trafega
em que, antes de traição, há a afirmação do caráter multifacetário e
engendrador das metáforas, personificadas e levadas ao extremo onde êxtase e
humor se entrelaçam.
Todo um renque de escritores de ponta é glosado, parodiado e
parafraseado: Mallarmé(e seu lance de dados), Oswald de Andrade (e seus
biscoitos finos, prometido ao palato das massas), Leminski (e sua Alice),
Drummond (e seu anjo torto), além de Torquato Neto, Mário Faustino,
Sousândrade, Ezra Pound, Dalí, Ana Cristina César, autores referenciais a
constituir um panteão geracional. São ícones alinhados no altar da celebração
literária, sim, mas também serventia doméstica, dos quais o autor se utiliza,
por estético capricho, com derrisão e iconoclastia:
“torquato era um poeta/que amou a ana/leminski profeta/que amou a
lice/um dia/pós/veio uilcon torto/e pegou a joia diana/juntou na
pereiralice/com o corpo & alma das duas/foi Beauvoir assombradado/roendo o
osso do mito/pra lá de frança ou bahia/pois tudo que o anjo via/Sartre jurou já
Ter dito/Nonada/biúte:ria”.
Aqui não se vislumbra paradoxo, pois a modernidade, tendo peneirado as cinzas
da dor humana no século XX, revelou a fênix de face tanto ebúrnea quanto
álacre; a arte passou a privilegiar o profano e o lúdico em detrimento das
inclinações sacramentais e sombrias.
E essa BraziLírica Pereira antropofágica e transluzente
é a maneira do poeta entretecer a urdidura dos afetos, reinventar a cultura e
os agentes culturais de sua predileção, com instrumentos lúdicos e sarcásticos,
considerados a ponte para a grande arte.
Outro aspecto a ser considerado é que o autor, egresso do movimento da poesia
marginal dos anos 70,
“essa poesia de efeito extraordinariamente comunicativo, que
procura e tira vantagem de uma dicção bem-humorada, ardilosa, alegre e
instantânea”, na radiografia de Heloísa Buarque de Hollanda, incorporou e
aprimorou suas principais conquistas estéticas, notadamente elementos da oralidade
acoplados à exploração acentuada da sonoridade vocabular, recurso que leva a
poesia ao liminar do domínio musical.
Quase não é mais poesia para ler e sim para dizer em alta voz, ou
cantar., circunstância em que o poeta moderno recupera o status de jogral.
Nessa aventura literária, às vezes o autor se transubstancia no texto,
traveste-se através das personas Lady Gumes, Macabea, Federika Bezerra, Fedra
Margarida, projeções de seu alter-ego que pretendem cravar o corpo na palavra,
com sinuosidades, coalescências e dissimulações, atributos só encontráveis no
espírito feminino.
Situada na interface da praxis artística e experiência existencial, o
poeta-prazer, com estado de êxtase permanente desde Couro Cru &
Carne Viva, perpetua sua poesia guerrilheira no campo das escaramuças
lexicais e da experimentação alegórica, dotada até de um certo autoflagelamento
exibicionista, em que louca e alucinada se lacera e despe-se da veste hierática
revelando sua outra face insuspeita, sua outra indumentária profusa e multicolor.
Em outras palavras, seu traje de ironia e de humor.
Erorci Santana é poeta, autor de Estatura Leviana, Conceitos para
Rancor e Maravilta.
Sarau Campos VeraCidade
Dia 15 de Março 19h - Palácio da Cultura - música teatro poesia
mesa de bate-papo :um olhar sobre a cidade no que foi o que é e o que pode ser.
Abertura:
Leitura do poema Cidade, de Prata Tavares, por Artur Gomes
Participações:
mesa de bete-papo:
Sylvia Paes + Fernando Rossi + Carol Poesia + Ronaldo Junior
poesia:
Clara Abreu + Jonas Menezes + Valdiney Mendes + Marcelo Perez + Gezebel Mussi + Paulo Victor Santanna
música:
Thais Fajardo + Arnaldo Zeus + Reubes Pess + Renato Braga
teatro infantil:
Grupo GOTA
direção:
Simone Jardim
contação de estória
: Onalita Tavares Benvindo
produção:
Artur Gomes e Clara Abreu
direção: Artur Gomes
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