terça-feira, 12 de março de 2024

múltiplas poéticas


BraziLírica Pereira : 

A Traição das Metáforas

* 

A Traição do Lirismo
Dalila Teles Veras 


Artur Gomes, feito gume, é máquina devoradora do mundo. Mastiga coisas, afetos, pessoas, rumina e afia os elementos em sua navalha verbal e os transforma na mais pura poesia. 
 

Dono de uma criatividade em permanente ebulição, hábil no verbo  e na disposição visual do mesmo no espaço do suporte - papel ou pano - 
bandeira a gotejar palavra que, não raro, é também palco e gesto, 
(in)cenação a complementar e enriquecer o que a palavra muda já disse,  a dizer outra coisa que é também a mesma coisa: poesia. 

Poeta em tempo integral, como poucos ousaram ser, Artur Gomes constrói, 
sem pressa (os anos não parecem pesar - na carne nem no espírito) 
a sua delirante e criativa poesia, colagem da colagem da colagem, 
(re)encarnação mais do que perfeita da antropofagia como nem  mesmo o velho Serafim sonhou. Nada, absolutamente nada escapa  à sua devastadora e permanente passagem, andarilho de poderosa  voz a evangelizar para a poesia.

Este Brazilírica Pereira: A Traição das Metáforas é a continuação 
de um enredo de há muito ensaiado. Seus atrevidos personagens  já apareciam em Vinte Poemas com Gosto de JardiNÓpolis & Uma Canção  Com Sabor de Campos.
 

Legítimas apropriações retiradas de 
suas viagens brazílicas, figuras que a sua generosidade literária 
faz questão de homenagear. Na passarela poética de Artur, 
tanto podem desfilar Mallarmé, Faustino, Dalí, Oswald, 
Baudelaire, Drummond, Pound, Ana Cristina César  e o sempre lembrado mestre Uilcon Pereira,  a quem o novo livro é dedicado, como personagens anônimos  encontrados nas quebradas do mundaréu, além dos amigos, 
objeto constante de sua poesia.

 

Neste caldeirão,  “olho gótico TVendo”, entra até um despudorado acróstico,  rimas milionárias em permanente celebração.  O poeta Artur, disfarçado de concreto, 
celebra descaradamente a amizade e o lirismo  e ri-se de quem tenta classificá-lo. Evoé, Artur!

A

uilcon pereira

por seu eterno

coração de boatos

 

a carlos lima

que por seu poema 1968

me permitiu o sub-título

 

a todos os cúmplices

que por falta de munição & Money

não citados

na batalha

desta fake inquisição de um pós-real

tropicanalha

 

às musas metafóricas

Analice e Ednalda

para Alice Flora e Filipe


axioma para final de século 

p/Carlos Careqa & Hélio Letes

 

a diferença

entre o legume

e o vegetal

VER/dura

mineral

nas minas do quintal

fruto menstrual

no ancestral pomar

das coxas 


 

 

inquisição:

 

por sermos duas metáforas novas frescas gostosas desoprimidas e sem qualquer pseudo complexo de fidelidade é que estamos aqui em brazilírica pereira por sugestão da uilcona biúka diante desta outra inquisição. não ainda não fomos apresentadas a lady federika bezerra. mas  a conhecemos pela sua fama internacional de porta/bandeira. macabea não pode se sentir frustrada pela nossa decisão de estarmos aqui neste confessionário. Primeiro porque não temos e nunca tivemos nenhum compromisso com ela. segundo é que alinhamos  em outra frente liberal e desfrutamos de todo direito de ir e vi ter e dar prazer gozar da forma que melhor nos convir. sexo? é uma opção de gosto mesmo. até no palco porão? irônicas? Sim nosso mestre serAfim  nos ensinou que do sarcasmo nasce a grande arte. mas o importante  é que nós como metáforas não precisamos estar somente em entre/linhas estamos também nas entre/tuas entre/minhas e não se trata de traição procuramos fazer algo diferente por exemplo do que já vimos em filmes de godard construídos em larga medida só com citações e referências apoiando-nos nas coplagens como elementos básicos para ultrapassá-los e transcendê-los. agimos como uma espécie de conspiradoras conscientes dos bens culturais e materiais que nos pertencem como patrimônio da humanidade. 


                                       uma outra

 

não deveria portanto macabea  vociferar aqui sua ira acusando-nos veladamente de traidoras sem assumir de fato em atitude pública a destilação desse veneno como palavra que não entra em cena. as belas letras para nós começaram através das letras belas narcisas pelos próprios nomes: metáforas e por fidelidade a federika não traímos macabea apenas não fazemos parte de uma mesma concepção de que a palavra parte e as letras que pretendemos belas não são simplesmente nossas muito menos dela. podemos constatar com gratidão que emergem das lendas fábulas crônicas e contos poemas de uma visão de mundo bem nítida e pessoal talvez quiçá quem sabe única reflexão de ruidurbanos restos de gravuras  e resíduos tipográficos ou seja: uma série de gestos amorosos eróticos de novo repletos de ironias sensuais doce fervor fogo de malícias explosão e gozo por sinal diga-se de passagem que essas dimensões éticas jurídico-morais nunca nos interessaram.  nossas relações com a propriedade privada em todas as suas formas e cristalizações históricas sempre foram tranquilas e sem remorsos.


1968

ou

: a investigação

uicorneana

 

quem és tu uílcon prereira?

que foste fazer na sorbonne?

                ter aulas com sartre

                ou cantar a simone

                                                 ?


A

nomes ou numes?

 

- a massa um dia comerá os biscoitos fino que fabrico, cantarolava du boi pelo grande sertão serafim. pesava o trigo lavava a roupa amassava o pão. jesus um velho coronel de joão gullar não querendo saber das massas mandou empastelar a padaria e incendiar o matadouro do caldo de cana. du boi pensou então em ir embora de brasílica pereira: sertãzinho santo André ribeirão rio preto batatais e por fim nova granada de ouro preto e espanha. vestiu seu uniforme de gala e foi prestar depoimento na cpi das metáforas: - como produtor das artes cínicas e mentor intelectual da sacanagem federiko de albuquerque baudelaire vulgo du boi mestre/sala do grêmio recreativo e escola de samba mocidade independente de padre olivácio tem somente a dizer que virgem aqui só eu. as demais podem dar o capricórnio peixe aquário vênus quem sabe até a balança mas não cai. como mestre/sala dos prazeres invisíveis no inconsciente coletivo entrego a vocês o destino das metáforas e volto à ilha das sereias. biscoitos finos massas padaria nem pão que o diabo amassou às mulheres deixo somente a fome e meus olhos genitais.


antiLírica

 

eu não sou zen

muito menos zhô

nem tão pouco

zapa

não ando na contra capa

do teu disquinho digital

não alinho pela esquerda

nem à direita do fonema

vôo no centro/viagem

olho rasante/miragem

veia pulsante/poema

 

drummundama itabirina

 

fedra margarida a resolvida desfilava pela última vez portando falo. Decidira decepar o pênis e desnudar de vez a sua outra mulher. Brasílica amanheceu incrédula: manchetes vozerios falatórios assembleias faixas cartazes por todas as vias multivias multimeios os ofendidos habitantes brazilíricos inconformados com a fedra passearam em plebiscito vociferando Não ao Sim. e margarida flor impávida lá se foi beira-mar olhando estrelas no cruzeiro. mas césar que não é castro continuou a pigmentar seu mastro na outra parte da tela. e um dia fedra sorrindo com o pênis/baton na boca foi a boca de laur da fedra e voltou com o luar na boca. 


Dora und (poema de 7 faces) in alguma poesia

 

quando nasci

um anjo alado -

- daqueles viciado

 em parati

 

meu deu um tapa na bunda

pra que eu logo transformasse

todo horror guardado em pranto

 

- foi ele cortar o umbigo

do sangue eu beber e berrasse –

: drummundo pra todo canto 


ilusão de Ótica

 

esse Não ç dilha

quando o poço

é mais pra fossa

todo nervo

é mais que osso

 

todo mar é uma ilha

 

todo samba é mais pra bossa 


um lance de dados

 

doze e quarenta

e seis

mallarmè

na hora incerta

dormindo

visível na besta

sinal inviável

na quarta

dedo de deus

na segunda

 jogando dado

na sexta


Leminsk i Ando

 

só olho ana    à vera

faça outono ou primavera

quantas eras

quantas anas

em carNA val

meu olho disse

:

ana à vera

vera ana

ana clara

claralisse

vejo ana

lendo Eunice

quando li

só vi lu ana

e

ana ali

só vi

li ana

ana/verso

anAlice


macabea vocifera

 

lady gumes a diretora geral do brasilírico presídio federal de assombradado impressionada com a decisão pungente das metáforas em produzir libertinagens traçou um plano para que as meninas pudessem vez em quando sobrevoar os céus do parador em grande falo gigante capricórnio tropical

macabea a ofendida tentou de tudo: forjou mentiras corrompeu guardas comprou juízes cooptou alunos advogados de deus e do diabo

- “não estou aqui para que pintores sem a mínima competência tentem lambuzar com qualquer tinta de porra a minha estrela que não sobe” vociferava

 

mas a lady decidida prosseguiu afiando a faca de dois gumes e no momento exato final e derradeiro serrou as grades de ferro que amarravam as portas do corredor central assim feito as metáforas puderam saborear o vôo do zepelin rasante  com seu músculo animal e as metáforas se abriram igualzinho igual a geni da tropicália a filha do chico da mangueira


marcabru

 

deliricamente  a metáfora está aí felaCão de bruxa claudeirão de carne osso sangue suor cer

Veja agora

seja

como um jogo do acaso tradição de vida e corte

severina

                                                        zeferina

                                  atrevida marte morte

macabea travestida no grande círculo místico das

                                                              letras

:

Mulher/macho homem fêmea atirador de facas engolidora de fogo bailarino domadora trapezista na escala do 3x4 mascarada ou de retrato seu

                                  corpo vale ninguém

  


Artur Gomes

Do livro BraziLírica Pereira : A Traição das Metáforas

Alpharrabio Edições – 2000

leia mais no blog – Vampiro Goytacá

https://arturgomesgumes.blogspot.com/


Delírio Verbal e Preito 
em BraziLírica Pereira


O livro, altar em que se celebra poetas do conturbado século XX, traz a poesia do poeta fluminense Artur Gomes, situada na interface da praxis artística e da experiência existencial, advinda do campo das escaramuças lexicais e da experimentação alegórica. 

Erorci Santana* 

BraziLírica Pereira: A Traição das Metáforas (Alpharrabio Edições, Santo André/SP, 2000), obra poética de Artur Gomes, toda grafada em minúsculas, principia com dois textos ou, melhor, intertextos com lastro na obra do escritor Uilcon Pereira, espécie de homenagem a desvairada letra uilconiana e à figura daquele escritor. Tanto que, no sintético poema que arremata esse preito literário, Artur o invoca através de uma circunstância biográfica datada:

“quem es tú uilcon pereira?/que foste fazer na sorbonne?/ter aulas com sartre/ou cantar a simone?”. 

Contudo, e apesar da primazia de Uilcon Pereira nesta festa verbal, é vasto o coração dessa usina lírica, BraZilírica Pereira trafega em que, antes de traição, há a afirmação do caráter multifacetário e engendrador das metáforas, personificadas e levadas ao extremo onde êxtase e humor se entrelaçam.

 Todo um renque de escritores de ponta é glosado, parodiado e parafraseado: Mallarmé(e seu lance de dados), Oswald de Andrade (e seus biscoitos finos, prometido ao palato das massas), Leminski (e sua Alice), Drummond (e seu anjo torto), além de Torquato Neto, Mário Faustino, Sousândrade, Ezra Pound, Dalí, Ana Cristina César, autores referenciais a constituir um panteão geracional. São ícones alinhados no altar da celebração literária, sim, mas também serventia doméstica, dos quais o autor se utiliza, por estético capricho, com derrisão e iconoclastia:

“torquato era um poeta/que amou a ana/leminski profeta/que amou a lice/um dia/pós/veio uilcon torto/e pegou a joia diana/juntou na pereiralice/com o corpo & alma das duas/foi Beauvoir assombradado/roendo o osso do mito/pra lá de frança ou bahia/pois tudo que o anjo via/Sartre jurou já Ter dito/Nonada/biúte:ria”. 

Aqui não se vislumbra paradoxo, pois a modernidade, tendo peneirado as cinzas da dor humana no século XX, revelou a fênix de face tanto ebúrnea quanto álacre; a arte passou a privilegiar o profano e o lúdico em detrimento das inclinações sacramentais e sombrias.

E essa BraziLírica Pereira antropofágica e transluzente é a maneira do poeta entretecer a urdidura dos afetos, reinventar a cultura e os agentes culturais de sua predileção, com instrumentos lúdicos e sarcásticos, considerados a ponte para a grande arte. 

Outro aspecto a ser considerado é que o autor, egresso do movimento da poesia marginal dos anos 70,

 “essa poesia de efeito extraordinariamente comunicativo, que procura e tira vantagem de uma dicção bem-humorada, ardilosa, alegre e instantânea”, na radiografia de Heloísa Buarque de Hollanda, incorporou e aprimorou suas principais conquistas estéticas, notadamente elementos da oralidade acoplados à exploração acentuada da sonoridade vocabular, recurso que leva a poesia ao liminar do domínio musical.

Quase não é mais poesia para ler e sim para dizer em alta voz, ou cantar., circunstância em que o poeta moderno recupera o status de jogral. Nessa aventura literária, às vezes o autor se transubstancia no texto, traveste-se através das personas Lady Gumes, Macabea, Federika Bezerra, Fedra Margarida, projeções de seu alter-ego que pretendem cravar o corpo na palavra, com sinuosidades, coalescências e dissimulações, atributos só encontráveis no espírito feminino. 

Situada na interface da praxis artística e experiência existencial, o poeta-prazer, com estado de êxtase permanente desde Couro Cru & Carne Viva, perpetua sua poesia guerrilheira no campo das escaramuças lexicais e da experimentação alegórica, dotada até de um certo autoflagelamento exibicionista, em que louca e alucinada se lacera e despe-se da veste hierática revelando sua outra face insuspeita, sua outra indumentária profusa e multicolor. Em outras palavras, seu traje de ironia e de humor. 

Erorci Santana é poeta, autor de Estatura Leviana, Conceitos para Rancor e Maravilta. 

 

Sarau Campos VeraCidade

 Dia 15 de Março 19h - Palácio da Cultura - música teatro poesia

 mesa de bate-papo :um olhar sobre a cidade no que foi o que é e o que pode ser.

 Abertura:

Leitura do poema Cidade, de Prata Tavares, por Artur Gomes

 Participações:

mesa de bete-papo:

 Sylvia Paes + Fernando Rossi + Carol Poesia + Ronaldo Junior

 poesia:

 Clara Abreu + Jonas Menezes + Valdiney Mendes + Marcelo Perez + Gezebel Mussi + Paulo Victor Santanna 

 música:

Thais Fajardo + Arnaldo Zeus + Reubes Pess + Renato Braga

 teatro infantil:

 Grupo GOTA

direção:

Simone Jardim

 contação de estória

: Onalita Tavares Benvindo

 produção:

Artur Gomes e Clara Abreu

direção: Artur Gomes

leia mais no blog

https://fulinaimargem.blogspot.com/

Realização: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima – Prefeitura de Campos – Uma Nova História


sexta-feira, 8 de março de 2024

Sarau Campos VeraCidade

Sarau Campos VeraCidade

 Dia 15 de Março 19h - Palácio da Cultura - música teatro poesia

 mesa de bate-papo :um olhar sobre a cidade no que foi o que é e o que pode ser.

 Abertura:

Leitura do poema Cidade, de Prata Tavares, por Artur Gomes

 Participações:

mesa de bete-papo:

 Sylvia Paes + Fernando Rossi + Carol Poesia + Ronaldo Junior

 poesia:

Clara Abreu + Jonas Menezes + Valdiney Mendes + Marcelo Perez + Gezebel Mussi

 música:

Thais Fajardo + Arnaldo Zeus + Reubes Pess + Renato Braga

 teatro infantil:

 Grupo GOTA

direção:

Simone Jardim

 contação de estória

: Onalita Tavares Benvindo

 produção:

Artur Gomes e Clara Abreu

direção: Artur Gomes

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https://fulinaimagens.blogspot.com/

Realização: Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima – Prefeitura de Campos Uma Outra História


quinta-feira, 7 de março de 2024

Sítio Tio Iuiu


Sítio Tio Iuiu

 

Aqui

meio ambiente

rima com veracidade

a dura realidade

de um deserto

se transformando em floresta

para comprovar

        que reciclar

pode ser um festa

 

Artur Gomes

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terça-feira, 5 de março de 2024

pátria a(r)mada por Ademir Assunção

 

TRÊS TOQUES PARA PENETRAR NA NOITE ESCURA  DESTA

PÁTRIA A(R)MADA

 

Ademir Assunção

1

Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta. O CD Fulinaíma – Sax, Blues Poesia, que gravou em parceria  com os músicos Dalton Freire, Luiz Ribeiro, Naiman e ReubesPess, nos primórdios deste terceiro milênio, é uma das experiências mais bem-sucedidas da fusão entre poesia oralizada e música: os versos lancinantes surgem como navalhas de corte preciso entre os blues, bossas, rocks e baladas. Navalhas que acariciam, mas também cortam a pele do ouvinte.


Há delícia e dor em sua poética. Uma delícia sensual, sexual, que se explicita em versos como “poderia abrir teu corpo / com os meus dentes / rasgar panos e sedas // com as unhas /arreganhar as tuas fendas / desatar todos os nós // da tua cama arrancar os cobertores / rasgando as rendas dos lençóis”. Há dor por uma terra prometida e sempre adiada, “por uma bandeira arriada / num país que não levanta”. É nesse espaço entre a delícia e a dor que o trovador levanta sua voz e emite seus brasões em alto e bom salto, a plenos pulmões: “eu não tenho pretensões de ser moderno / nem escrevo poesia pensando em ser eterno / veja bem na minha língua as labaredas do inferno / e só use o meu poema com a força de quem xinga”.


2


Cada poeta escolhe sua tribo, reinventa seus ancestrais. A tribo de Artur Gomes vem de uma vasta tradição de trovadores inquietos e inquietantes, hábeis no trato do verso e ferinos no uso do humor, do amor e da revolta. Uma linhagem que vai de Arnaut Daniel a Zé 
Limeira e passa por Oswald de Andrade, Torquato Neto, Paulo Leminski e Uilcon Pereira, para listar alguns.

Cada poeta inventa também o território mítico onde mergulha sua poesia e sua própria vida. Alguns de maneira explícita, outros, mais velada. Há muitos anos surge na poesia de Artur o termo “Fulinaíma”, como uma Macondo espectral, que perpassa livros, sobe aos palcos, atravessa as faixas do CD. Seria um território de folias macunaímicas, uma terra de prazeres e ócios criativos, avessa ao eterno passado colonial que não conseguimos nunca superar, como o fantasma de antigos engenhos em que a “usina / mói a cana / o caldo e o bagaço // usina / mói o braço / a carne o osso // usina / mói o sangue / a fruta e o caroço // tritura suga torce / dos pés até o pescoço”?


3


Artur Gomes é também daqueles poetas que vivem reescrevendo seus poemas, reinserindo-os em outros contextos, reinventando “a poesia que a gente não vive”, aquela mesma que transforma “o tédio em melodia” - para relembrar Cazuza, outro bardo 
pertencente a mesma tribo. Quem acompanha sua trajetória errante e anárquica provavelmente vai identificar neste livro poemas já publicados em outros – porém, com modificações de tonalidades, de timbres, de intenções.

Se não é despropositado pensar que Dante Alighieri enxertou em sua Divina Comédia inúmeras desavenças políticas, sociais e culturais de sua época e mandou para o inferno pencas de seus inimigos florentinos, é interessante perceber este Pátria A(r)mada reinventado no contexto deste Brasil que retrocedeu décadas depois do golpe político-jurídico-midiático deflagrado em 2016. Esses tempos passarão, é certo, mas este livro ficará – como um potente desconforto, um desajuste, um desconcerto desse mundo cão e chão. Se vale como trágica  profecia – ao modo do cego Tirésias –, após um breve período de sonhos que mais uma vez não se cumpriram, os olhos abertos desses versos ecoarão  nos ouvidos de muitos e cortarão a carne de tantos: “ó, baby, a coisa por aqui não mudou nada / embora sejam outras siglas no emblema / espada continua a ser espada / poema continua a ser poema”.


Ademir Assunção – poetaescritorjornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo (Melhor Livro de Poesia do ano). Poemas e contos de sua autoria foram traduzidos para o inglês, espanhol e alemão, e publicados em livros e revistas na Argentina, México, Peru e EUA.

A vida


A vida

sempre em  suspense

alegria prova dos nove

fanatismo nã0 me convence

muito menos me comove


Artur Gomes 

Desconcertos Editora - 2022

 

leia mais no blog https://arturgumesfulinaima.blogspot.com/

Vampiro Goytacá Canibal Tupiniquim

                                                    Artur Gomes   vampiro goytacá canibal tupiniquim   *             poesia muit...