Norteamento
Que haja um marco,
marcando
confluências de estradas
que há já um porto
aportando
convergências de mares
Que haja um abrigo
abrigando
resquícios de cansaços
Que seja uma marca
mesmo cicatriz
consumada ao tempo
Que seja uma porta
mesmo se portando
como quem se fecha
Que seja uma briga
mesmo a ferro e fogo
e com vencedor
Existem carros
percorrendo atalhos
sem saber de saídas
Existem saveiros
em pleno alto mar
sujeito a temporais
E milhões de pessoas
por sob as marquises
esperando...
É preciso cortes
a navalha ou à foice
É preciso entradas
a chaves ou a murros
E preciso atritos
de intenções e gestos
É preciso ainda
bem mais ainda
de um horizonte
abrindo-se
urgentemente.
Antonio Roberto de Gois Cavalcanti – Kapi
In Ato 5 – Grupo Uni-Verso – Campos dos Goytacazes-RJ
– 1979
"Do que não é de ti", um poema para Torquato Neto, in memorian, de Luís Avelima.
Já não sou o que sou
como tu, intransferível
apenas fumaça bailando
na chaminé de um passado
e é estranho esse mormaço
essa tarde de mofo
esse altar de inquietos
onde celebram a morte
num estojo de porcelana
onde sóis são castiçais
assentados
na lâmina de um peito nu
e onde duendes leem órbitas vazias
reflexos, imagens e
sentimentos mortos
Galos e pardais na cumeeira
retêm a fome das heras
e mais que fome
e mais que morte
a dúvida
Tua sina é a rima
que mistura riso e loucura
quando não indicas caminhos
nem desbravas confusões.
Já não sou o que sou
pessoa, intransferível,
onde à-toa que escondes de mim?
Pessoal, intransferível
a parte que não te cabe
a mim pertence
Loucos louco mais que louco
desvairado poeta,
a noturnidade me reparte
ao repasto
do que não é de ti.
Torquato Neto em foto de João Rodolfo do Prado
A MULHER QUE MATOU OS PEIXES
nada sabia das ilhas japonesas,
de suas cachoeiras, rios e cascatas;
nunca reparou na beleza ondulante
dos pequenos dragões vermelhos
brancos, amarelos, prateados
nem viu as “imagens do mundo
flutuante”
pintadas em gravuras de madeira
coloridas
nem as pipas em formato de peixe
hasteadas por meninos em dias
festivos;
a mulher que matou os peixes
nada sabia sobre as antigas histórias
que as avós japonesas contavam aos
netos:
que as carpas nadavam contra a
correnteza
saltavam cascatas e até mesmo
montanhas
para depositarem os seus ovos
e por isso dizia-se que eram dragões.
Não, a néscia nada sabia dessas
histórias
e mesmo que soubesse, não faria
diferença:
ela só queria roubar as pequenas
moedas
jogadas por turistas no lago do
Palácio.
Poema inédito de Claudio Daniel, 06/02/23
Arte: Tsukioka Yoshitoshi
Tchello d´Barros – Poesia Visual
quem me dera serAfim
beija-flor na primavera
beijando Rúbia Querubim
Federico Baudelaire
https://coletivomacunaimadecultura.blogspot.com/
Funk Dance Funk
a noite inteira invento joplin na fagulha
jorrando cocker na fornalha
funkrEreção fel fala
fábio parada de Lucas é logo ali
trilhando os trilhos centrais do braZil.
rajadas de sons cortando os ínfimos
poemas sonoros foram feitos para os íntimos
conkretude versus conkrEreção
relâmpagos no coice do coração.
quando ela canta eleonora de lennon
lilibay sequestra a banda no castelo de areia
quando ela toca o esqueleto de Lorca
salta do som em movimento enquanto houver
e federika ensaia o passo que aprendeu com mallarmé
punkrEreção pancada
onde estão nossos negrumes?
nunkrEreção negróide nada.
descubro o irado Tião Nunes
para o banquete desta zorra
e vou buscar em Madureira
a Fina Flor do Pau Pereira.
antes que barro vire borra
antes que festa vire forra
antes que marte vire morra
antes que esperma vire porra,
ó baby a vida é gume
ó mather a vida é lume
ó lady a vida é life!
,
furai
a pele das partículas dos poemas
viemos das gerações neoabstratas
assistindo a belos filmes de Godart
inertes em películas de Truffaut
bebendo apocalipses de Fellini
em tropicâncer genocidas de terror
,
sangrai a tela realista dos cinemas
na pele experimental do caos urbano,
tragai
Dali pele entre/ossos
Glauber rugindo enTridentes
na língua do veneno o gozo das serpentes
nos frascos insensíveis de isopor
,
caímos no poder do vil orgânico
entramos no curral dos artefatos
na porta de entrada os artifícios
na jaula sem saída os mesmos pratos
Profanalha Nu
Rio
a flecha de são sebastião
como ogum de pênis/faca
perfura o corpo da glória
das entranhas ao coração
do catete ao largo do machado
onde aqui afora me ardo
como bardo do caos urbano
na velha aldeia carioca
sem nenhuma palavra bíblica
e muito menos avária
: orgasmo é falo no centro
lá dentro da candelária
o poema pode ser um beijo em tua boca
carne de maçã em maio
um tiro oculto sob o céu aberto
estrelas de neon em Vênus
refletindo pregos no meu peito em cruz
na paulista consolação na água branca barra funda
metal de prata desta lua que me inunda
num beijo sujo como a estação da luz
nos vídeos.filmes de TV
eu quero um clipe
nos teus seios quentes
uma cilada em tuas coxas japa
como uma flecha em tuas costas índia
ninja, gueixa eu quero a rota teu país ou mapa
teu território devastar inteiro
como uma vela ao mar de fevereiro
molhar teu cio e me esquecer na lapa
Artur Gomes
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
disponível para compra em www.editorapenalux.com.br/loja/juras-secretas
Alice
para Alice Melo Monteiro Gomes
A música está no bico dos pássaros
na pétala da lamparina
no caracol dos teus cabelos
no movimento dos músculos
no m das tuas mãos
nada mais sagrado
do que teus olhos acesos
para me iluminar na escuridão
Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa
Editora Penalux - 2020
https://secretasjuras.blogspot.com
Cantiga para não morrer
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
Ferreira Gullar
sobre as ondas teresina
se queres que eu grite
a morte da natureza morta
antes pense Magritte
a natureza reta
de alguma palavra torta
sobre o sangue a flor da pele
Michelle nua me entorta
em ondas de mar e lua
Gisele levita atrás da porta
Artur Gomes Fulinaíma
https://arturfulinaima.blogspot.com/
Santíssima trindade
Quando fui ao Espírito Santo
vi três linda meninas
me sorrindo em aquarela
no entanto não sou santo
muito menos era de anjo
o sorriso em tua bocas
aquele olhar nos olhos delas
nas tuas íris/retinas
era ironia/sarcasmo
com a minha cara de fome
embaixo daquela janela
Pastor de
Andrade
https://personasarturianas.blogspot.com/
se a clara fosse santa
e água fosse clara
não seria essa a imagem
que os meus olhos se depara
no litoral de são Francisco
onde o lamparão é um corisco
e o kabrunco perde a fala
nem fede nem cheira
Ferreira Gullar
a
pedra no rio que não voa
se arrasta entranhada
na alma da pessoa
Rúbia Querubim
o poema senhores
nem fede nem cheira
Ferreira Gullar
a
pedra no rio que não voa
se arrasta entranhada
na alma da pessoa
Rúbia Querubim
poema obsceno
toda manhã de domingo
frente ao bar do local
para brigas de canários
ou então papa capim
é o fim
manter pássaros presos
indefesos
em gaiolas de bambu
ou então de grumarim
Gigi Mocidade
https://uilconpereira.blogspot.com/
Poética
para
Rachell Rosa
Clarice mora no silêncio
vive em entre/linhas
fala monossílabas
quando toca as entre/minhas
come
as Juras Secretas
como fossem chocolates
morde o líquido das delícias
ao entrar em sintonia
em cada letra que namora
Clarice
a mulher que come livros
Isadora a que devora
Federika Lispector
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
https://coletivomacunaimadecultura.blogspot.com/
sua poesia é outra
de um lugar que os barcos
não alcançam
ainda nos olhos
antes das invenções
dos símbolos
pedra de algum topo
peixe de algum fundo
um mundo novo
dentro desse mundo
coisa que não se colhe:
nem foto, nem fala
solitária experiência
seguro sua mão e sinto
presente de iemanjá:
como compartilhar
por um instante
o indizível
Clara Baccarin
Poética 74
a senhora gumes
não aceita inseticida
nem agrotóxico na comida
não quer morrer envenenada
a senhora gumes
está ensandecida
com a covardia do supremo
no extremo da canalhada
tomar o país no golpe
nas tramoias do Alvorada
Lady Gumes
www.fulinaimargem.blogspot.com
Tudo Arde - poema em construção
suspenso
no Ar
não penso
atravesso o portão da sua casa
o corpo em fogo
a carne em brasa
tudo arde
nas cinzas das horas
no silêncio da tarde
vou entrando sem alarde
sem comício
como um pássaro
que acaba de cantar
em pleno hospício
Artur Gomes
o marido da cidade
Campos, o rio que corta tuas artérias
deságua São João sem fogos
em território seco.
Resta-te o choro
dos homens que te calçam.
Descalços já não cortam as canas
cachaças de teus engenhos,
mas engendram, solitários,
com retalhos de petróleo,
o poema de bacias
sujas e sem roupas.
Prenhes de meninos,
meninas desfilam,
putas maquiadas no asfalto de tuas
colunas.
Em tua cama há um coito que se
interrompe
toda vez que um pau,
lá dentro,
acena transmutar em gente
o ovo oco
do teu útero.
Então permaneces, assim,
mulher rica e satisfeita
apenas em gozar multiplamente,
enquanto teus homens, piranha,
acordam com a marmita da manhã
pra satisfazer teus caprichos.
Adriano Moura
certa vez em vila velha na vitória do espírito santo trepei no bonde no centro histórico da cidade velha enquanto andra mirava seus olhos sobre os meus nada me disse em seu silêncio de dizer tanto
faroeste lamparão
para torquato neto – in memória
“agora não se fala mais
agora não se fala nada”
quando saí de casa
ia dar um tiro na cara do delegado
mas estava desarmado
estão me colocando em histórias
dos tempos do não sei onde
como se eu durando kid
comesse a filha do conde
nunca comi amarela
em cinema mexicano
muito menos a ruiva
do faroeste americano
disseram que eu tive caso de amor
que se tornou pernambucano
quando encontrei o poeta
no trailer do Ricardinho
foi me falando de mansinho
como se trampa uma batalha
pra não cair na armadilha
da grana palavra cilada
agora não se fala mais
agora não se fala nada
Artur Gomes Fulinaíma
www.arturkabrunco.blogspot.com
Sérgio de Castro Pinto
O meu livro "O Cerco da
memória" (Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 1993)
completa 30 anos. Publico mais um poema dele:
atos falhos
sequer os ensaio.
mas os meus atos
falhos
encenam-se assim:
eles já no palco
e eu ainda
no camarim.
Arte do chá
ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo
ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo
Paulo Leminski
Unplugged
quero botar no teu orkut
um negócio sem vergonha
um poema descarado
tá chegando fevereiro
e meu Rio de Janeiro
fica lindo mascarado
quero botar no teu e-mail
um negócio por inteiro
que eu não sou Zeca Baleiro
pra ficar cantando a Mama
que ainda tem medo do Papa
meu negócio é só com a Mina
que me trampa quando trapa
meu negócio é só com a mina
que me canta ouvindo o Rappa
Artur Gomes
www.fulinaimagens.blogspot.com
SagaraNAgens Fulinaímicas - 2015
Cansei de muitas coisas:
algumas dão-me sono
algumas dão-me gases
algumas dão-me asco
outras dão-me choro.
Para
suportar o tempo,
usei
(sem
culpas e com demasiado abuso)
de
licenças poéticas:
deslizar
em imagens obliquas,
imprecisas,
desfocadas
e líquidas
de quase
tudo.
Navegar
nas margens
transversais
de
cristais e sopros,
voar sobre
cidades
estranhas,
Alemanhas...
reinventar
a vida
do que é
morto,
como se
vida
tudo
fosse,
como se a
flor
tivesse
fonte,
que se vai
eventualmente
descobrir.
Eloah Margoni
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