sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Poesia Em Movimento - Mosatra Visual de Poesia Brasileira


 
Norteamento

 

Que haja um marco,

marcando

confluências de estradas

 

que há já um porto

aportando

convergências de mares

 

Que haja um abrigo

abrigando

resquícios de cansaços

 

Que seja uma marca

mesmo cicatriz

consumada ao tempo

 

Que seja uma porta

mesmo se portando

como quem se fecha

 

Que seja uma briga

mesmo a ferro e fogo

e com vencedor

 

Existem carros

percorrendo atalhos

sem saber de saídas

 

Existem saveiros

em pleno alto mar

sujeito a temporais

 

E milhões de pessoas

por sob as marquises

esperando...

 

É preciso cortes

a navalha ou à foice

 

É  preciso entradas

a chaves ou a murros

 

E preciso atritos

de intenções e gestos

 

É preciso ainda

bem mais ainda

de um horizonte

abrindo-se

urgentemente.

 

Antonio Roberto de Gois Cavalcanti – Kapi

In  Ato 5 – Grupo Uni-Verso – Campos dos Goytacazes-RJ – 1979 



"Do que não é de ti", um poema para Torquato Neto, in memorian, de Luís Avelima.

 

Já não sou o que sou

como tu, intransferível

apenas fumaça bailando

na chaminé de um passado

e é estranho esse mormaço

essa tarde de mofo

esse altar de inquietos

onde celebram a morte

num estojo de porcelana

onde sóis são castiçais

assentados

na lâmina de um peito nu

e onde duendes leem órbitas vazias

reflexos, imagens e

sentimentos mortos

Galos e pardais na cumeeira

retêm a fome das heras

e mais que fome

e mais que morte

a dúvida

 

Tua sina é a rima

que mistura riso e loucura

quando não indicas caminhos

nem desbravas confusões.

 

Já não sou o que sou

pessoa, intransferível,

onde à-toa que escondes de mim?

 

Pessoal, intransferível

a parte que não te cabe

a mim pertence

 

Loucos louco mais que louco

desvairado poeta,

a noturnidade me reparte

ao repasto

do que não é de ti.

 

Torquato Neto em foto de João Rodolfo do Prado



 A MULHER QUE MATOU OS PEIXES

 

nada sabia das ilhas japonesas,

de suas cachoeiras, rios e cascatas;

nunca reparou na beleza ondulante

dos pequenos dragões vermelhos

brancos, amarelos, prateados

nem viu as “imagens do mundo flutuante”

pintadas em gravuras de madeira coloridas

nem as pipas em formato de peixe

hasteadas por meninos em dias festivos;

a mulher que matou os peixes

nada sabia sobre as antigas histórias

que as avós japonesas contavam aos netos:

que as carpas nadavam contra a correnteza

saltavam cascatas e até mesmo montanhas

para depositarem os seus ovos

e por isso dizia-se que eram dragões.

Não, a néscia nada sabia dessas histórias

e mesmo que soubesse, não faria diferença:

ela só queria roubar as pequenas moedas

jogadas por turistas no lago do Palácio.

 

Poema inédito de Claudio Daniel, 06/02/23

Arte: Tsukioka Yoshitoshi

Tchello d´Barros – Poesia Visual 



 

quem me dera serAfim
beija-flor na primavera
beijando Rúbia Querubim

Federico Baudelaire

https://coletivomacunaimadecultura.blogspot.com/



Funk Dance Funk

a noite inteira invento joplin na fagulha
jorrando cocker na fornalha
funkrEreção fel fala
fábio parada de Lucas é logo ali
trilhando os trilhos centrais do braZil.

rajadas de sons cortando os ínfimos
poemas sonoros foram feitos para os íntimos
conkretude versus conkrEreção
relâmpagos no coice do coração.

quando ela canta eleonora de lennon
lilibay sequestra a banda no castelo de areia
quando ela toca o esqueleto de Lorca
salta do som em movimento enquanto houver
e federika ensaia o passo que aprendeu com mallarmé

punkrEreção pancada
onde estão nossos negrumes?
nunkrEreção negróide nada.
descubro o irado Tião Nunes
para o banquete desta zorra
e vou buscar em Madureira
a Fina Flor do Pau Pereira.

antes que barro vire borra
antes que festa vire forra
antes que marte vire morra
antes que esperma vire porra,
ó baby a vida é gume
ó mather a vida é lume
ó lady a vida é life!



dia d
,
furai
a pele das partículas dos poemas
viemos das gerações neoabstratas
assistindo a belos filmes de Godart
inertes em películas de Truffaut
bebendo apocalipses de Fellini
em tropicâncer genocidas de terror

sangrai a tela realista dos cinemas
na pele experimental do caos urbano,
tragai
Dali pele entre/ossos
Glauber rugindo enTridentes
na língua do veneno o gozo das serpentes
nos frascos insensíveis de isopor

,
caímos no poder do vil orgânico
entramos no curral dos artefatos
na porta de entrada os artifícios
na jaula sem saída os mesmos pratos



           Profanalha Nu Rio

 

a flecha de são sebastião
como ogum de pênis/faca
perfura o corpo da glória
das entranhas ao coração

do catete ao largo do machado
onde aqui afora me ardo
como bardo do caos urbano
na velha aldeia carioca

sem nenhuma palavra bíblica
e muito menos avária

: orgasmo é falo no centro
lá dentro da candelária



 SampleAndo



o poema pode ser um beijo em tua boca
carne de maçã em maio
um tiro oculto sob o céu aberto
estrelas de neon em Vênus
refletindo pregos no meu peito em cruz

na paulista consolação na água branca barra funda
metal de prata desta lua que me inunda
num beijo sujo como a estação da luz

nos vídeos.filmes de TV
eu quero um clipe
nos teus seios quentes
uma cilada em tuas coxas japa
como uma flecha em tuas costas índia
ninja, gueixa eu quero a rota teu país ou mapa

teu território devastar inteiro
como uma vela ao mar de fevereiro
molhar teu cio e me esquecer na lapa

Artur Gomes

Juras Secretas
Editora Penalux – 2018

disponível para compra em www.editorapenalux.com.br/loja/juras-secretas




Alice

para Alice Melo Monteiro Gomes

 

A música está no bico dos pássaros

na pétala da lamparina

no caracol dos teus cabelos

no movimento dos músculos

no m das tuas mãos

nada mais sagrado

do que teus olhos acesos

para me iluminar na escuridão

 

Artur Gomes

O Poeta Enquanto Coisa

Editora Penalux - 2020

https://secretasjuras.blogspot.com



Cantiga para não morrer


Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

Ferreira Gullar


sobre as ondas teresina


se queres que eu grite
a morte da natureza morta
antes pense Magritte
a natureza reta
de alguma palavra torta
sobre o sangue a flor da pele
Michelle nua me entorta
em ondas de mar e lua
Gisele levita atrás da porta

Artur Gomes Fulinaíma

https://arturfulinaima.blogspot.com/



Santíssima trindade


Quando fui ao Espírito Santo
vi três linda meninas
me sorrindo em aquarela

no entanto não sou santo
muito menos era de anjo
o sorriso em tua bocas
aquele olhar nos olhos delas

nas tuas íris/retinas
era ironia/sarcasmo
com a minha cara de fome
embaixo daquela janela

 

Pastor de Andrade

https://personasarturianas.blogspot.com/



se a clara fosse santa

e água fosse clara

não seria essa a imagem

que os meus olhos se depara

no litoral de são Francisco

onde o lamparão é um corisco

e o kabrunco perde a fala 



o poema senhores

nem fede nem cheira

           Ferreira Gullar

 

a

 pedra no rio que não voa

se arrasta entranhada

       na alma da pessoa

          Rúbia Querubim

 

o poema senhores

nem fede nem cheira

           Ferreira Gullar

 

a

 pedra no rio que não voa

se arrasta entranhada

       na alma da pessoa

          Rúbia Querubim

 

poema obsceno


toda manhã de domingo

 faz-se um formigueiro

frente ao bar do local

para brigas de canários

 ou então papa capim

é o fim

manter pássaros presos

indefesos

em gaiolas de bambu

ou então de grumarim

 

Gigi Mocidade 

https://uilconpereira.blogspot.com/



Poética

para Rachell Rosa

 

Clarice mora no silêncio
vive em entre/linhas
fala monossílabas
quando toca as entre/minhas

come as Juras Secretas
como fossem chocolates
morde o líquido das delícias 
ao entrar em sintonia
em cada letra que namora

Clarice a mulher que come livros
Isadora a que devora

 

                         Federika Lispector

Juras Secretas

Editora Penalux – 2018

https://coletivomacunaimadecultura.blogspot.com/


sua poesia é outra

de um lugar que os barcos

não alcançam

ainda nos olhos

antes das invenções

dos símbolos

pedra de algum topo

peixe de algum fundo

um mundo novo

dentro desse mundo

coisa que não se colhe:

nem foto, nem fala

solitária experiência

seguro sua mão e sinto

presente de iemanjá:

como compartilhar

por um instante

o indizível

 

Clara Baccarin


Poética 74

 

a senhora gumes

não aceita inseticida

nem agrotóxico na comida

não quer morrer envenenada

a senhora gumes

está ensandecida

com a covardia do supremo

no extremo da canalhada

tomar o país no golpe

nas tramoias do Alvorada

 

Lady Gumes

www.fulinaimargem.blogspot.com




Tudo Arde - poema em construção

 

suspenso

       no Ar

não penso

atravesso o portão da sua casa

o corpo em fogo

a carne em brasa

tudo arde

nas cinzas das horas

no silêncio da tarde

vou entrando sem alarde

sem comício

como um pássaro

que acaba de cantar

em pleno hospício

 

Artur Gomes

www.fulinaimargem.blospot.com




o marido da cidade

 

Campos, o rio que corta tuas artérias

deságua São João sem fogos

em território seco.

Resta-te o choro

dos homens que te calçam.

Descalços já não cortam as canas

cachaças de teus engenhos,

mas engendram, solitários,

com retalhos de petróleo,

o poema de bacias

sujas e sem roupas.

Prenhes de meninos,

meninas desfilam,

putas maquiadas no asfalto de tuas colunas.

Em tua cama há um coito que se interrompe

toda vez que um pau,

lá dentro,

acena transmutar em gente

o ovo oco

do teu útero.

Então permaneces, assim,

mulher rica e satisfeita

apenas em gozar multiplamente,

enquanto teus homens, piranha,

acordam com a marmita da manhã

pra satisfazer teus caprichos.

 

Adriano Moura


certa vez em vila velha na vitória do espírito santo trepei no bonde no centro histórico da cidade velha enquanto andra mirava seus olhos sobre os meus nada me disse em seu silêncio de dizer tanto

 

faroeste lamparão

para torquato neto – in memória

“agora não se fala mais
agora não se fala nada”

quando saí de casa
ia dar um tiro na cara do delegado
mas estava desarmado
estão me colocando em histórias
dos tempos do não sei onde
como se eu durando kid
comesse a filha do conde
nunca comi amarela
em cinema mexicano
muito menos a ruiva
do faroeste americano
disseram que eu tive caso de amor
que se tornou pernambucano
quando encontrei o poeta
no trailer do Ricardinho
foi me falando de mansinho
como se trampa uma batalha
pra não cair na armadilha
da grana palavra cilada

agora não se fala mais
agora não se fala nada

 

Artur Gomes Fulinaíma

www.arturkabrunco.blogspot.com





Sérgio de Castro Pinto

O meu livro "O Cerco da memória" (Editora da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 1993) completa 30 anos. Publico mais um poema dele:

 

atos falhos

 

sequer os ensaio.

 

mas os meus atos

falhos

encenam-se assim:

 

eles já no palco

e eu ainda

no camarim.


Arte do chá

 

   ainda ontem

convidei um amigo

para ficar em silêncio

comigo

 

ele veio

meio a esmo

praticamente não disse nada

e ficou por isso mesmo

 

Paulo Leminski


Unplugged

 

quero botar no teu orkut

um negócio sem vergonha

um poema descarado

 

tá chegando fevereiro

e meu Rio de Janeiro

fica lindo mascarado

 

quero botar no teu e-mail

um negócio por inteiro

que eu não sou Zeca Baleiro

pra ficar cantando a Mama

que ainda tem medo do Papa

 

meu negócio é só com a Mina

que me trampa quando trapa

meu negócio é só com a mina

que me canta ouvindo o Rappa

 

Artur Gomes

 

www.fulinaimagens.blogspot.com

SagaraNAgens Fulinaímicas - 2015


       Cansei de muitas coisas:

algumas  dão-me sono

algumas  dão-me gases

algumas  dão-me asco

outras  dão-me choro.

 

Para suportar o tempo,

usei

(sem culpas e com demasiado abuso)

de licenças poéticas:

deslizar

 em imagens obliquas,

imprecisas,

desfocadas e líquidas

de quase tudo.

Navegar nas margens

transversais

de cristais e sopros,

voar sobre

cidades estranhas,

Alemanhas...

reinventar

a vida

do que é morto,

como se vida

tudo fosse,

como se a flor

tivesse fonte,

que se vai

eventualmente

descobrir.

 

       Eloah Margoni

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