aquário
quando a polícia chegou
ela estava na sala
sentada no sofá
a boca arreganhada
a dor arredando-se troppo tarde
o gato miava
o olhar preso no tempo
ignorava a janela aberta
temporal relâmpagos ventania
ana maria braga na tevê
contas vencidas no chão
o gato miava
havia sangue por todo canto
e o sorriso estava no fundo:
abaixo do peixinho vermelho
seus 32 dentes de porcelana
trovejavam impecáveis
o gato miava
sil guimarães
[ imagem meus gatos lola & barthô ]
O demiurgo
do vírus
nova ordem virá
o humano
demasiado humano
continuará
César
Augusto de Carvalho
POEMA XXII
Os amantes
não são eternos.
Disse-me uma mulher
que traía sua companheira.
São como as calçadas
e as casas de cavalo.
São como
as lâmpadas fluorescentes
e os copos de vidro.
Nunca ousamos dizer:
lealdade no deserto de dedos!
Disse-me uma mulher
que traía sua companheira:
Olha as águas
do rio sonolento.
Observa se nele
vivem pescadores embriagados.
Vê se respiram
fogueira com aroma de cravo.
Os amantes não são eternos.
Disse-me uma mulher
quando se dobrava em mim.
Celso de Alencar
Publicado no livro SETE, 2001- Vinte e cinco xilogravuras do
artista plástico Valdir Rocha e
vinte e cinco poemas de Celso de Alencar
A METAFÍSICA IMPUNE
eis a metafísica impune
nas escamas dos peixes
que saltam nas redes
reluzindo o resto de negrume
da noite que fugaz se evade:
Ademir Demarchi
Pirão de Sereia
Realejo Edições - 2012
Jura Secreta 45
fulinaimagem
1
por enquanto
vou te amar assim em segredo
como se o sagrado fosse
o maior dos pecados originais
e minha língua fosse
só furor dos Canibais
e essa lua mansa fosse faca
a afiar os versos que inda não fiz
e as brigas de amor que nunca quis
mesmo quando o projeto
aponta outra direção embaixo do nariz
e é mais concreto
que a argamassa do abstrato
por enquanto vou te amar assim
admirando teu retrato
enquanto penso minha idade
e o que trago da cidade
embaixo as solas dos sapatos
2
o que trago
embaixo as solas dos sapatos é fato
bagana acesa
sobra do cigarro é sarro
dentro do carro
ainda ouço Jimmi Hendrix
quando quero
dancei bolero
sampleAndo rock and roll
prá colher lírios
há que se por o pé na lama
a seda pura foto-síntese do papel
tem Flor de Lótus nos bordéis
Copacabana
procuro um mix da guitarra de
Santanna
com os espinhos da Rosa de Noel
Artur Gomes
do livro Juras Secretas
Editora Penalux - 2018
imagem: Felipe Stefani
essa costela
arrancada
suja de dor & mel
" Ao abismo caímos
e não era voo aquilo "
Ludwig Zeller
eu faço
porque faço
como se fácil fosse
como se eu
fosse um
fosso fértil
fogo - fátuo
um filho
do farto idílio
ou
do fausto desígnio
( oito mil
olhos mortos
me olham oblíquos )
eu faço
porque se não faço
a língua seca
como se lírio fosse
como se
fosse um
fato fútil
feto fosco
fonte falsa
ou uma
folha solta
salto falho
( urubus passeiam
sobre sete encantadores
assombros
e sobre seis avenidas
selvagens
cinco silêncios supersônicos
trafegam trêmulos )
eu faço
porque faço
como se festa fosse
como se eu
fosse um
filisteu filósofo
filipino andrógino
paladino erótico
girassol perplexo
vestígio herético
( &
oito mil
olhos
se abrem
ébrios
se calam
mortos )
garbo gomes
( texto)
Valdir
Rocha
( Arte)
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha.
Oswald de Andrade
(in Poesias Reunidas. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1971.)
cato cacos de azuis
nos alumínios
em cada mínimo
que vejo azulejo
Federico Baudelaire
E como a máquina marcasse o meu
desejo
e minha mão latente se perdesse
no ato frio que a vida emana
só pude ver um rosto inacabado
e uma entranha mais q se pusesse
no rastro do entorno já perdido
no fogo q arrebenta uma pupila
que só dardeja na noite do teu ventre
e num somenos acaba de apagar.
Romério Rômulo
A máquina do mundo pós-Drummond)
sua língua
na minha
corpo
todo
caminha
Dinovaldo Giliolli
ainda que hoje não fosse
o dia que queremos
é carnaval
é carNAvalha
navalha na carne
carne na navalha
despir os panos
pensar os planos
soltar o berro
e ferro na boneca
que ninguém é de ferro
Artur Gomes Fulinaíma
https://braziliricapereira.blogspot.com/
ancestral
pelo dorso da minha gata
desliza uma mulher
em chamas
em seu miado
um rio me atravessa
em tumulto
nas suas antenas-orelhas
vislumbro o mundo
encardido
a flor: a náusea: o nojo
a morte: esse desperdício
o amor: essa condenação
Sil Guimarães
[ imagem minhas gatas madah & miu
— ou dona onça ]
ALINHAVOS
Minha carne é fraca
- sou tecida
em curtos pavios -
o fogo arde
a água invade
a beira é rasa
o tempo é breve.
De que me serve
vento sem folha
terra sem ventre
escuro sem lume?
Quero um pouco mais de improviso
nesse riso guardado em estoques.
Busco a alma escondida na gaveta
onde guardo tantos medos desde
sempre.
Desalinhei minhas simetrias
descosturei minhas mãos
e libertei meus receios do blackout.
Hoje adormeço mais contente:
tenho um sonho iluminando meus
escuros
e uma alma germinada pra semente.
(Nic
Cardeal, 'Sede de céu', Penalux/2019)
Jura Secreta 32
fosse apenas o que já foi dito
escrito falado pensado
não fosse tudo o que já foi maldito
e nada do que nunca foi sagrado
falo em tua boca enquanto em transe
um anjo me ilumina tanto
que mesmo mudo em tua língua canto
como um diabo que subindo aos céus
tentou muito mais de uma vez
quem sabe Gregório ou quem sabe Castro
descendo aos infernos como sempre fez
talvez Camões no corpo de um astro
me lance a infinita chama da pornô Gráfica lucidez
Artur Gomes
do livro Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
www.secretasjuras.blogspot.com
estala-se o sol sobre a terra
rebenta a casca
sumo
seiva
carne
cerne
desenterra
abre a fenda
brita
debridamento
da ferida
camada funda
surge
dor que é grande
regurgita
Divanize Carboniere
FURAGEM – 2020
Carlini e Caniato Editorial
Desabafo
não tenho a nada a ver
com o teu complexo
e por favor
não tente definir meu sexo
Rúbia Querubim
www.porradalirica.blogspot.com
levanta meu boi
levanta
que é hora de levantar
acorda boi, povo todo
povo e boi tem de lutar
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