PREVISÃO
Estender sobre a
linha do horizonte
o fio mais tênue
do equilíbrio
capaz de suportar
a brisa, o vento, a tempestade
esticar os dedos
acima da cabeça
bem mais alto
como se sonhasse a
textura das nuvens
- mergulhar os
dedos na maciez do ar rarefeito –
fazer de si um
caminho sem bússola
cada passo a seu
tempo
sem nenhuma pressa
ou exigência
sem nenhum destino
exceto o que se
permuta em amor
respirar como as
montanhas
na altivez sincera
depois de cada raiz
secreta que,
do ventre da
terra,
sabe da
necessidade da espera
pelo sonho da
semente
conhecer de
pássaros
da paciência dos
ninhos
da liberdade
implícita nas asas
do canto matutino
em sustenidos sentidos
olhar à frente, ao
lado, aos céus
sem perder o chão
sem tropeçar nas
sombras ou nos vãos
reverenciar os
idos, os findos
os recém-nascidos,
os maltrapilhos
aqueles loucos: os
poetas e os absortos
agradecer às águas
todas as águas:
rasas, fundas, límpidas, densas
àquelas que saciam
a sede
ou mesmo às que
nos sucumbem em solidão
e às que germinam
vida do trigo ao pão
saudar as
possibilidades tantas
os desvios necessários
as quedas imprevistas
as mudanças de percurso
as estradas tortas e os labirintos
compreender os
pequenos em tamanho
os ainda menores
os ínfimos e os invisíveis
os gigantes, os astronômicos
as miudezas e a imensidão
até finalmente
aprender a linguagem
das palavras
silenciosas
esculpidas em
dimensões paralelas
que nos aguçam os
sentidos
e nos sussurram
entre as paredes do coração
conhecer de gestos
improváveis
propícios aos
espantos, aos delírios, aos encantos
como quem vive
cada instante
pela primeira ou
última vez
- nada há de mais
surpreendente
do que acreditar,
creditar
editar-mo-nos ao
próximo dia
de mais uma
ciranda de translação! -
(Nic Cardeal, 31.12.2022)
Que 2023 seja
feito de todas as possibilidades de comunhão!
( imagem do
Pinterest)
Hugo Pontes – Poesia Visual
Forte apache
não morrerá porque sempre vai ter um
garoto
trancado em seu quarto fazendo algo
que ninguém
nunca viu. Laura Riding, por seu
turno, falava
da pretensão de “escrever sobre um
assunto/
que tocasse todos os assuntos/ Com a
pressão
compacta do quarto/ Lotando o mundo
entre meus
cotovelos”. Já François Truffaut
considerava-se
pertencente a uma família de
cineastas que
praticava uma espécie de “cinema do
quartinho
dos fundos, que recusa a vida como
ela é” —
como“nas brincadeiras de crianças,
quando
refazíamos o mundo com nossos
brinquedos”.
Como escreveu Ferreira Gullar no
Poema sujo,
“que me ensinavam essas aulas de
solidão”?
Aliás, é Pascal quem avisa: todos os
males
derivam do fato de que não somos
capazes
de permanecer tranquilos em nossos
quartos.
Marcelo Montenegro
que pousará inúmeras vezes
sobre os nossos destinos
ue as portas desse cosmos
serão sempre facilmente
encontradas
é inútil pensar
que a flor que concebemos
poderá ser contemplada
da mesma forma
do mesmo intenso
com a mesma exuberância
deste tempo em nós
é que a gente já desabrochou
e inundou os canteiros
e deveríamos olhar
mais agora
para os nossos
pés imersos em fartura
não por que não poderemos
de fato
nos restaurar
(nos pequenos respiros da vida)
e recompor o encanto
mas por que agora
aqui já estamos
cheios de pólen
e eu ainda não quero
lavar as mãos
aos escolhos
da palavra
ele se agrega
palavra
parede viscosa
onde se gruda
o poeta:caramujo
Herbert
Valente de Oliveira
O OVO E A FAKA
sob a fina membrana do ovo
a serpente já pulsava
o inferno já se impunha
a peçonha se multiplicava
diante da fascinação do povo
quando da injustiça
a forte clava
sovava a massa ensandecida
a serpente
ainda zigoto
inoculava com sua língua genocida
um fato, uma faca, um fuck, um fake
de repente,
não mais que de repente.
o ignaro já há muito
bufava talco
rastejava sob um lábaro ianque
gestava a serpente belicosa
quando do alto de seu palanque
ostentava
aquela barriga misteriosa
e na hipótese de que a faka
lhe furara o bucho?...
que bicho saltara
daquele infame ventre?...
um sopro?
um riso?
um bufão de mola?
...Mistérios que ainda intrigarão a gente
até que um poeta,
um anjo, um tira ou um bruxo
desembrulhe o sórdido ovo
e exponha a faminta serpente.
Alberto Antônio Sobrinho
Debaixo de minha mesa
tem sempre um cão faminto
-que me alimenta a tristeza...
Debaixo de minha pele
alguém me olha esquisito
-pensando que sou ele.
Debaixo de minha escrita
há sangue em lugar de tinta
-e alguém calado que grita.
Affonso Romano de Sant'Anna
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
criança diz:
Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele
delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer
nascimentos —
O verbo tem que pegar delírio.
Manoel de Barros
o delírio
é a lira do peta
se o poeta não delira
sua lira não concreta
Artur Fulinaíma
https://personasarturianas.blogspot.com/
provocação
não sei vocês
mas tenho um sonho pirante
para dois mil e vinte e três
dar sonhos livros
beijos delírios
espalhar a lucidez
mergulhar no mar de letras
dançar à luz da lua
vestida de nua e crua
nas ruas de Iriri
botar meu bloco na rua
ir de encontro ao que vier
o amor já tenho de sobra
ser feliz é minha obra
e venha comigo quem puder
Rúbia
Querubim
2 – janeiro – 2023
https://coletivomacunaimadecultura.blogspot.com/
ano passado eu morri
nem sempre o que penso
é o que escrevo
suspenso no ar as vezes
sobra letra na treta
do tanto que a tralha toca
sigo trilhas atalhos atravesso
avesso o que o inverso diz
atriz me leva aos descompassos
do desassossego pessoa que sou
assim meio discreta quando não concreto
nada do que penso no papel não cabe
um chá antigo
baseado em Bo b Marley
Bob Dylan ou mesmo Belchior
quando ainda não escrever
o dito por não dito
eu quero que exploda o mito
“tenho sangrado demais
tenho chorado pra cachorro
ano passado eu morri
mas esse ano eu não morro”
Artur Gomes Fulinaíma
2 – janeiro – 2022 – direto do pico da Bandeira
https://arturkabrunco.blogspot.com/
do furor feroz
do que veloz escorre
" precisamos de grandes
copulações douradas "
Jim Morrison
não é de poesia
nosso erro
nem límpida
nossa água
a fome
difícil
cresce
no íntimo
das auroras
na graça selvagem
dos pássaros
( antes da palavra )
não é belo
nosso ócio
nem virtuosa
nossa queda
o fim
fácil
invade
as entranhas
suculentas das gordas
cidades vazias
não é de amor
nosso vício
nem pacífica
nossa carne
( às seis sempre
abraçados
sangramos
um silêncio
dentro )
não é de poesia
nossa palavra
( ignoramos o fogo )
de olhos fechados
entrevemos ilhas
oníricos exílios
páginas floridas
do falso fundo
feio
nosso
erro
garbo gomes
Pessoal intransferível
“Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada nos bolsos e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso.
Poetar é simples, como dois e dois
são quatro sei que a vida vale a pena etc. Difícil é não correr com os versos
debaixo do braço. Difícil é não cortar o cabelo quando a barra pesa. Difícil,
pra quem não é poeta, é não trair a sua poesia, que, pensando bem, não é nada,
se você está sempre pronto a temer tudo; menos o ridículo de declamar versinhos
sorridentes. E sair por aí, ainda por cima sorridente mestre de cerimônias,
herdeiro da poesia dos que levaram a coisa até o fim e continuam levando,
graças a Deus.
E fique sabendo: quem não se arrisca
não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar
mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. Adeusão
Torquato Neto
VIDA TODA LINGUAGEM
Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente
partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo
sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh
metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo,
verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes
imagens
que lhes estrelam turvas trajetórias
Vida toda linguagem –
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos
mortos
com que um homem jovem, nos terraços
do inverno,
/ contra a chuva,
tenta fazê-la eterna – como se lhe
faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.
Mário Faustino
Vida Toda Linguagem
para Mário Faustino in memória
não sei dizer
o que quer dizer esta metáfora
elétrica lâmpada musa
anima minhas tardes de chuva
senhora das nuvens de chumbo
na lírica do desassossego
eu tenho seis espadas e pedras
girassóis que roubei dos teus cabelos
o beijo que nunca mais foi dado
nos Retalhos Imortais do Serafim
linguagem um Lance de Dados
e Mallarmé Nada Sabia de Mim
Artur Gomes
https://fulinaimagens.blogspot.com/
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