eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.
Torquato Neto.
DOR ELEGANTE
(Poema de Paulo Leminski, musicado
por Itamar Assumpção)
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Como se chegando atrasado
Andasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra
ITAMAR ASSUMPÇÃO (1949 - 2003)
cliq ue no link para ouvir na voz de Itamar Assumpção
https://www.facebook.com/100081932773044/videos/777006333449446
do meu canto
lhe causa desconforto
insana criatura
não se assuste com essa química
isso se chama Sagaranagens Fulinaímicas
meu girassol de metáforas
meu caldeirão de misturas
Artur Gomes
Fulinaíma MultiProjetos
lfulinaima@gmail.com
(22)99815-1268 - whatsapp
tão tenso
nesse tempo
estático
Artur Fuliaíma
O Poeta Enquanto Coisa
foto: Antonio Cruz
Teatro do Absurdo
todos os cães são azuis o cão azul é invisível mas
ele vê e Rúbia Querubim também, foi isso que disse a ele diante do espelho
antes dela encarar a sua primeira cena
Artur Gomes Fulinaíma
para Nicholas Behr e Noélia Ribeiro
como pode ser assim
tão enquadrada
eixo por eixo
quadra a quadra
com as linhas abstratas
na argamassa do concreto
como pode ser também
tão feminina
mesmo não sendo mais menina
musa assim por tantos anos
na arquitetura se concreta
e continua, nunca finda
no desejo do poeta
Artur Gomes
o poeta enquanto coisa
POR SINAL
não corro por ruas plantadas
como corre a maioria dos cavalos
com medo de ser atropelado
pela rosa
do círculo daurora
se alguém me diz
pare
eu respondo
passo
sou senhor do que faço
tenho têmporas e mais
orelhas perfuradas
por pingos de chuva
quando em malvadezas
aciono a máquina dos olhos
hospedo na parede
a fúria de meus donos
registro na boca dos papéis
voz encravada
na memória dos sábados
e se não aviso
sobre
o acontecido
a quem atravessa
a rua
em silêncio
as gargalhadas apavoram
Rubervam du Nascimento
do livro A Profissão dos Peixes
Quero lhe dizer
não, Preciso lhe dizer
- cuidado, deixa o carro passar -,
não pretendo lhe atrasar mais,
porém, é muito importante
- cuidado, deixa a moto passar,
deixa o sinal abrir,
cuidado, deixa meu coração transbordar -,
o pingo da chuva gelada
não acalenta seu rosto:
Gostaria de lhe dedicar um poema urbano,
uma trilha de palavras paulistanas
que lhe ajudem a atravessar o dia,
a secar o pingo gelado na testa,
a pisar pelas listras molhadas da faixa de
pedestre.
Quero que sinta este poema
como o primeiro gole do café da padaria,
como a primeira onda do cheiro da manteiga
do pãozinho na chapa,
como a primeira lembrança morna
de nossos corpos ávidos de calor noturno.
E lembre que o primeiro sorriso que lhe acordou
nesta madrugada aturdida de frio paulistano,
o sorriso de uma boca torta ainda sonolenta
já saudosa dos agasalhos insuficientes,
este sorriso que lhe aquecerá durante este dia
inteiro
mais do que aqueles agasalhos insuficientes,
aquele meu sorriso, ainda que torto, ainda que
meio-frio,
foi a primeira letra do primeiro verso
deste poema urbano que lhe dedico.
poema urbano para aquecer chuva
Claudinei Vieira
do livro YŨREI, CABERÊ
editora Patuá
voar
com a palavra Ave
como fez
Wladmir Dias Pino
no poema
liberdade
Moacy Cirne
foto: Artur Gomes
Há um quê de desumano em meu abraço
Não percebe?
Possuo destroços em lugar de órgãos
infortúnios de um tempo sem pecado
o traço de Picasso na face
e nas extremidades pequenas avarias
Creia:
houvesse algo entre nós, desmoronaria
Noélia Ribeiro
Augusto de Campos
Da arte de matar orquídeas
para Pricila Gunutzmann
Matávamos orquídeas,
(violetas e pimentas)
(como quando crianças
matávamos pintinhos na infância
inocente crueldade colorida, flores, folhas e penas
rosas, roxas e amarelas
qual cuidado exagerado,
semelhante a um amor estabanado)
Matávamos orquídeas
como se fóssemos nós
as plantas parasitas
(ou como se nós os outonos)
E comprávamos orquídeas,
nesse jogo que se reinicia:
erro e insistência agressiva
(o que fazer, se na lógica capitalista
elas estavam sempre vivas,
presentes e floridas?)
Mas também a morte vinga (ou se)
e por descuido nos cuidados
- como num lance de dados -
trouxe esse inverno
(nesta casa que moramos
em frente ao cemitério)
um primeiro botão
que não disse: não.
Eduardo Lacerda
A ASA DEFINITIVA
De quantas
quedas
Preciso
até que
o chão
me devolva
A asa perdida?
Hei de retomar
a armadura
Que abandonei
antes de
Morrer
A pedra que
me soterra
Deixou a
porta aberta
Para o grito
Engulo
Regulo
meus passos
Pela tempestade
O pássaro imperecível
Me aponta a saída
Quantas quedas
Até que o chão me
Devolva a asa
Definitiva?
(Luiza
Cantanhêde)
Foto: Artur
Gomes
mas não me prende
os dentes
ROMANCE
Para as Festas da Agonia
Vi-te chegar, como havia
Sonhado já que chegasses:
Vinha teu vulto tão belo
Em teu cavalo amarelo,
Anjo meu, que, se me amasses,
Em teu cavalo eu partira
Sem saudade, pena, ou ira;
Teu cavalo, que amarraras
Ao tronco de minha glória
E pastava-me a memória
Feno de ouro, gramas raras.
Era tão cálido o peito
Angélico, onde meu leito
Me deixaste então fazer,
Que pude esquecer a cor
Dos olhos da Vida e a dor
Que o Sono vinha trazer.
Tão celeste foi a Festa,
Tão fino o Anjo, e a Besta
Onde montei tão serena,
Que posso, Damas, dizer-vos
E a vós, Senhores, tão servos
De outra Festa mais terrena —
Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela Morte.
Mário Faustino
toda arte já foi rascunho
e me pego
rascunhando
nosso próximo encontro
e não pretendo inovar
nem preciso
nossos momentos
são sempre únicos
por isso esse hábito
de relembrar
cada segundo a seu lado
na tentativa
de sentir o sabor
dos nossos encontros
e enquanto
os próximos não chegam
ando rascunhando
e saboreando
ansiosa - pela próxima arte
que iremos fazer
assim como
o sol se põe
de a lua acende
você põe em mim
sorrisos
e eu poemo
Renata Magliano
A NAU DO SEU SONHO
Os que estavam na praia se assanharam
Porque viram primeiro
A Nau.
Flâmula acima da vela mestra
Com o brasão da minha casa:
Um leão africano vesgo
Por ter uma borboleta
Sentada em seu nariz.
Mesmo os guardados em seus lares ouviram
A dança e o canto de marujos bêbados,
O barulho dos calcanhares no tabuado do convés,
Os vivas a mim,
As despedidas a minha pessoa.
No passo seguinte, me alisaram as asas
De anjo que não voa,
Me perfumaram os pelos do peito com rum cubano
Enquanto me penteavam um fingido e ralo topete.
Me levarem ao escaler.
E rema o voga,
E rema o proa,
E, juntos no mesmo compasso,
O sota-voga, o sota-proa.
Arvoram os remos a boreste e bombordo.
E da praia até onde você dorme
Sigo chutando ardentias, arrastando os pés...
Quando você acorda, tendo o rosto corado,
Me conta o sonho...
Mas não conta o sonho todo.
Winston Churchill Rangel
Aleppo
I
Havia sim um elo entre todos
Que não fossem de raça, credo ou origem
Respiravam o mesmo ar pesado de morte
Respiravam na dança macabra da fuligem
Sob botinas de couro e borracha o chão parecia
de nuvem
Fumaça para todos os lados entre corpos
marcados, anjos perdidos
Povos sem lar, sem rumo e sem norte
Dos restos da casa, o homem fardado fazia a
guarda
Boneca de pano no canto dos móveis marcados,
quebrados, perdidos
Um dia ali dentro crianças brincavam de polícia
e bandido
Os tempos mudaram, não havia inocência ou vida
talvez
Um som estremece a cidade, os sobreviventes
entendem que começou tudo outra vez
Um quadro mal pendurado revela a família que um
dia foi feliz
Agora, despedaçada, mantém em seu seio quem
escapou por um triz
Nas ruas resta o concreto estraçalhado e o pó
que subiu
Das bombas que ali atingiram, a beleza e a vida,
o tudo sumiu
Na praça central da cidade cachorros vadios não
existem mais
A vida, o sopro e a brisa, a paz e o futuro
ficaram pra trás
Nas ruas, ruínas e gente sem esperança
Nas casas espalhavam-se corpos, velhos, adultos
e crianças
O som que se escuta na trégua é o silêncio
quebrado pelo choro baixinho
Carregado de dor e descaso, de morte e abandono,
sem paz, sem carinho.
A bela cidade florida deu lugar ao inferno sem
nem avisar
Famílias inteiras em trapos, tentando fugir pra
outro lugar
Em barcos de ar e esperança encontram a morte
nas margens do mar.
II
– Vês? Nada resta!
Chora a menina, olhando na fresta
Vestido de bolinhas rasgado nas mangas
Dois passos pra fora, vem a escuridão
Um soldado armado caminha ileso
Sem um arranhão
Do lado de dentro não há nem telhado
Se ainda houvesse chuva, tudo estaria molhado
Mas até a chuva se refugiou em outras bandas
O prédio é ruína, nem lembra o passado
A praça perdida fica lá do outro lado
Não há mais crianças pra brincar de castelo de
areia
Celebra um homem com um bote inflável de
contrabando
Exibe o peito aberto, caminha mancando
Seu rosto encontra o chão antes do corpo
encontrar a porta
No lugar das pipas, os meninos contam mísseis
Eles sabem que a queda encerra dias difíceis
Já não há mais vagas no cemitério
À noite, cansada, a criança não conta mais
carneirinhos
Conta estouros, bombas, barulhos de bala
E dorme sem saber se vai acordar outra vez
Um estampido à curta distância e o pai corre pro
berço
A criança ainda respira, sem marcas ou feridas
Ajoelhado, ele fala baixinho – eu agradeço
Ela levanta os bracinhos pra se render
Nem sabe bem o que significa
Mas sabe que ainda pode morrer
III
Já houve tempo de paz, há muito esquecida
Pessoas como eu e você, vagando em ruas em
ruínas
Sua vida, sua história, perspectiva perdida
Um corte na alma, o corpo exibe a ferida
Já houve, no passado, alegria e progresso
Do futuro brilhante, restou o regresso
À selvageria, ao ódio e ao caos
Em tempos de guerra, o ódio é réu confesso
O barulho das bombas interrompe o silêncio
Da terra arrasada desprovida de sorte
Nas ruas, ruínas não contam histórias
Nas manchas de sangue, um rastro de morte
Passado é o tempo de um dia feliz
Crianças cresciam em paz e união
Na guerra o ódio não se contradiz
Nas ruas e esquinas a marca profunda da
destruição
No campo de guerra não tem aliado
Tem homens buscando alimento e proteção
Família escondida, futuro dilacerado
A vida e a esperança sem rumo caindo ao chão
Os canteiros floridos dão lugar aos cartuchos de
balas
As escolas tomadas de poeira e vazio
Não há mais ensino nas salas de aulas
Acordam sabendo que a vida está por um fio
IV
Um dia, quem sabe, tudo volta ao normal
Terá se passado uma era talvez
A vida findada tal qual vendaval
O barulho da bomba revela tudo outra vez
A esperança veste luto onde um dia foi vida
Vida? Não restam mais dúvidas da história
perdida!
Logram vitória como se fosse possível
O sangue escorrido do povo invisível
Família, o que sobra, vira refugiada
Em terra estranha porque a sua foi arrasada
V
Bum
O zumbido no ouvido deixa marca profunda
Bum
A mãe pega o filho e se esconde no quarto
Bum
A parede desaba com um novo impacto
Bum
Entre tijolos encontram a mão da criança
Bum
Não nascem mais flores em nenhum jardim
Bum
A vida, entre balas, chegou ao fim
VI
Era eu apenas uma garotinha
Cabelos ao vento, vestido de bolinha
Nas ruas da cidade, traçava meu trajeto
Da escola à minha casa não era traço reto
Cruzava ruas e avenidas
Todo mundo trabalhava, cuidava de sua vida
Eu gostava de aventuras, no mercado me escondia
Vivíamos tempos doce, de paz à noite, vida ao
dia
Até que a guerra a nós chegou
Pouca gente entende ao certo como tudo começou
Bala e bomba toda hora
Ajoelhada, a mãe à vida implora
Sob o pó pela bomba levantado
Jaz o corpo de mais um pobre-coitado
Fardado, o menino não entende
Todo o ódio que à arma agora o prende
Acordamos todo dia sem saber pra onde ir
Papai um dia disse que a nós resta fugir
Mas quem somos nós nesse mundo sem fim?
A história aniquila a esperança e termina assim
Depois de muito tempo, nos unimos aos
conterrâneos
Fugimos de barco e encontramos a morte no
Mediterrâneo
VII
Ela chora baixinho ao lado do corpo da mãe
O pai foi pra guerra e ela sabe que ele não
volta mais
O irmão soterrado não pede socorro
Sozinha no quarto espera o milagre que não virá
O zumbido no céu e a esperança
“Será essa a bomba que vai me matar?”
Nos sonhos inocentes tem um jardim pra brincar
Pela janela só restam ruínas, a vida parou
Não há mais futuro, o país acabou
Sai solitária com a boneca na mão
O tiro, perdido, acerta o coração
Ela, enfim, encontra a paz
VIII
As lápides sem nomes fazem fila
Nem todo mundo será encontrado
Nem mesmo inocentes terão funeral
A guerra não mata apenas vidas
Mas aniquila dignidades
Histórias interrompidas por pura maldade
A guerra há de acabar por falta de gente para
matar
*Aleppo é a segunda maior cidade da Síria. Já
considerada uma das cidades mais bonitas do mundo, foi completamente destruída
na guerra.
Sobre a Autora
Maya
Falks começou a escrever muito cedo,
aos 3 anos ditava histórias pra minha mãe. Aos 24 escreveu seu primeiro romance
adulto, que veio a ser publicado 8 anos depois. Nessa mesma idade, ganhou seu
primeiro prêmio. Atualmente tem 4 livros publicados, diversos projetos em
andamento e 21 prêmios entre contos, crônicas e poesias. Maya Falks é graduada
em publicidade e propaganda, especialista em marketing e graduanda de
jornalismo. Atua profissionalmente com redação publicitária e roteiro. O poema
“Aleppo” integra o conjunto de textos do livro Poemas Para Ler No Front.
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