Rio
Há um rio em minha vida,
há um rio,
que corre em desmaz -
elo de mim para mim,
cachorro.
Passa por cima de paus
e pedras,
sem eira nem beira –
rio que se cante.
Luas se suicidam
em suas águas
minguantes,
cheias,
paraíbas.
Nu, faminto,
abandonado,
me dói o coração
ao vê-lo agonizando,
e belo, ainda,
belo, mesmo que um dia,
desague a solidão
de tal maneira,
que em seu leito
um mandacaru
brote sertão.
(em “Paraíba de Mim”)
Praça das Quatro Jornadas
Leões da Praça das Quatro Jornadas.
Quatro tens, como os Cavaleiros
do Apocalipse. Luas desabadas
caem sobre ti, teu chafariz, primeiros
luares, primeiras manhãs deslumbradas,
primeiras tardes e os feiticeiros
primeiros beijos das namoradas
envoltas em mil risinhos brejeiros...
Quantos sóis renascem das louças tuas?
Quantas flores brotam do ventre teu?
Quantas manhãs engoles? Quantas ruas
te merecem? E o quanto estuas?
Não mora em ti um Pássaro Sofreu?
Não sei ainda, de ti, as dores cruas!
Campos dos Goytacazes - Verão, 1991
In SONETOS DE MUITOS CAMPOS (Itinerário Poético de Campos dos Goytacazes)
poema1
Sobre a tessitura do existir,
o que se pode dizer
de Amor?
Do ser capaz
de manejar o todo o dia,
(cada coisa no seu lugar),
e de se ser apenas
a própria pessoa
sem se diluir nos outros,
e, ao mesmo tempo, recebê-los
com a naturalidade da posse de um braço,
ou de seu próprio cabelo,
como poder?
E do arcar com a surpresa
da manhã que nasce
e que me coloca diante do fato
de estar viva
e de ser mulher?
E das consequências desta realidade
que eu nem pedi,
que me foi dada como um presente,
(sob o papel a caixa de surpresas),
o que se pode dizer?
E por que a mim coube esta
e não outra posse,
como ser árvore
rio,
flor
ou asa?
Perplexamente reconheço
Que mais nada me seria dado.
Nada mais saberia ser, eu,
que já nem sei nada
e tanto me custa aprender
aquilo que sou.
É difícil ser e há momentos
em que o definir-se,
o estar sendo aquele momento
é como um sonho
e o estranho
é a gente se encontrar na gente mesma
limitada em corpo ancho,
entre nascimento e morte
limitada.
(em “Do íntimo dizer”)
Interpretado por Thereza Cristina Cruz, este poema foi o vencedor do FesTribuna Livre de Poesia Falada, Festival criado por Artur Gomes para o Bar Tribuna Livre em Campos dos Goytacazes – 1997 – a grande final foi realizada no Bar Boca de Luar, em Grussaí – no verão de 1998.
Paraíba de Mim
Ao Prefeito Antony Matheus
Tenho por ti
Uma ternura...
Se soubesse cantar,
te cantaria gonzaga,
meu “Velho Chico”,
Paraíba de mim.
Tens lá tua foz
onde desaguas
e já me sonhei
morando em tuas águas,
entre Lapa e Lagoa,
olhando as luas cheias
que te transformam
em Amazonas
desta terra de antigos
Goytacazes.
Hoje, abandonado,
bem merecias
que te limpassem
(até os cachorros
merecem),
curando tuas feridas
centenárias
e aceitáveis
como rosas.
Publicamente,
se orgulham de ti.
Sais em páginas
de jornais,
viras cartões postais,
iluminados,
e retocados,
turistas.
Querem-te soberbo:
tigre em sua selva.
Mas como,
se em tuas entranhas
peixes morrem
e apodrecem
e sufocas
quando tua voz
fica rouca
do socorro que pedes,
mendigo?
Ah, Paraíba,
meu Paraíba,
te conheço há tão pouco
e já sei falar
tua linguagem,
clara
para os ouvidos
de quem te ama.
(em Paraíba de Mim)
O meu País
Campos
é o meu País,
onde canta
a Jandaia
na fronde
da Carnaúba,
onde canta
a Sabiá,
onde um Rio
rasga a cidade,
sem marola
de se ver.
Campos
é minha tenda
de Cigana
que sou,
de sortilégios,
e arrancar
estrelas
do céu,
de iluminar
as águas
do Rio
meu sangue,
linfa,
lágrimas,
Parahyba
Para ver
estrelas,
melhor olhar
suas águas
multiprismáticas,
marulhantes
dentro de mim.
Dentro de mim
RJ – Primavera – 2005
In Poesias Sem Tempo
NARCISO
Para Yve, Everaldo Carvalho
Narciso, reflito espelho de mim,
reflexo sou dos meus sóis, meus luares,
minhas paisagens e os meus sem-fim
de noite. Narciso, ando meus andares
entre estrelas, em brilhos de cetim
Narciso sou meu outro nos meus mares
sou caravela, nau e bergantim,
andorinha andorinhando pelos ares
Narciso sou e me deixo levar
pela minha narcisa natureza
de, centauro liberto, galopar
meus descampados e o me amar
é, apenas, mais um gesto de beleza
Narciso, eu, sou o azul do mar
Campos dos Goytacazes, Primavera, 1993
(in “Yve, não mais que Yve”)
HOMENS
Separados por barreiras humanas
Os homens vivem seperadaos.
Nem as mãos cantando abraços
nem o olhar cantando o amor
respondem o triste canto,
o inútil canto
que eu canto.
25/02/53
Homem nº
Você me visitou
e eu não tinha uísque
- grave crime –
e lembro
como você me enforcou
nas traves da varanda
Revejo
contra o ocaso
o seu lay-out
na mais que perfeita
arte-final.
Apertamo-nos as mãos
como educados cavalheiros
após duelo.
Sorrimos com elegância
Entre mortos e feridos,
Não sobrou ninguém
(em “MulherCidadeHomem” – RJ – 1972)
Beira-Rio
A quem direta ou indiretamente participou de “Um grito parado no ar” de Gianfrancesco Guarnieri, apresentado no Teatro de Bolso. Novembro, 1991
uma cidade só nasce quando um rio
ou outra água, ribeirinha, se planta
como roseira. Que a água seja um fio
quase lunar. Cidade se estende manta
ou uma teia filigrana. E quanta
gente borbulha neste rosal, desvio
súbito de um caminho! Espanta
cidade e água viverem em macio –
amor de Deus, em mundo benfazejo
e diário despertar em burburinhos
de alegria, sofrimento e desejo
de construir destinos. Beira-Rio vejo
surgirem histórias: pássaros sem ninhos:
sonhos entressonhados que antevejo.
Inverno, 1991
A cor é que tem cor na asa da borboleta
Nela, o movimento é que se move
O movimento faz uma pirueta.
O movimento é o gesto que comove.
O perfume é que tem perfume no perfume
da flor. Ela por si mesma não tem
nem cor nem perfume e nem mesmo lume
Ela está acima do Mal e do Bem.
A borboleta é borboleta e só.
E a flor não é mais do que flor.
A pirueta não é canto de curió
e o amor é o amor e é o amor..
Para “O Guardador de Rebanhos” de Alberto Caieiro
(in: “Pastor de Rimas” – Lucia Miners
Campos, primavera, 2003
Madrugada Manhã Edições
Lucia Miners
Lucia Miners é uma mineira que adotou a cidade de Campos dos Goytacazes.
A mineira mais campista que já vi.
Nascida em Barbacena no ano de 1934, viveu no Ceará e no Rio de Janeiro, onde, durante os anos de chumbo, criou um importante suplemento literário no Jornal Tribuna da Imprensa, através do qual realizou intenso intercâmbio cultural, reunindo escritores de diferentes e distantes lugares do país.
Conhece Campos trabalhando na organização de um ciclo de palestras para a Faculdade de Filosofia, com a nata literária nacional, incluindo Ziraldo e Afonso Romano de Sant’Ana.
Em suas palavras, fica “abestada” com o rio Paraíba atravessando a cidade. Apaixona-se pelo rio, pelo povo, pela cultura da região. E tranca-se em casa escrevendo “Parahyba de Mim”, espantando-se com a própria obra, embora já tivesse publicados vários e premiados livros infantis.
Daí em diante não parou mais (palavras suas em entrevista a Churchil Rangel), escrevendo prosa e poesia, premiada em diferentes festivais.
Paraíba de Mim é, talvez, a mais conhecida de suas obras não publicadas, tendo recebido montagens teatrais, inclusive com alunos de um dos Cieps locais, programa em que atuou como animadora cultural. Além da montagem “Paraíba de Mim, uma história de amor”, criada por Roosevelt Maia e encenada no Teatro de Bolso em 1991/92. Hoje essa obra é objeto de estudo realizado pelo professor Adriano Moura e alunos da Literatura do Iff , onde será finalmente publicada.
Lucia Miners é a Lucia jornalista e escritora, autora de premiados livros infantis em que aborda com sensibilidade temas delicados como em “Juca das Rosas”. Ou em que desconstrói estereótipos dos papeis feminino e masculino, como em “Aninha e João”, publicado pela editora Ática.
É também a poeta que canta as ruas da cidade que ama e, os amigos que nela fez, o rio arrebatador de sua vida (“Há um rio em minha vida”), a natureza e os animais com quem convive como semelhantes. Teve vários poemas premiados em festivais, como é o caso do Poema 1. Constrói sua poesia reunindo os poemas dentro de temas que parecem ser os títulos de cada livro terminado ou em processo de elaboração: “Paraíba de Mim”; “Sonetos dos muitos Campos - Itinerário Poético de Campos dos Goytacazes”; “Do Íntimo Dizer”; “Yve não mais que Yve”; “Pastor de Rimas”; “Poesias sem Tempo”; “MulherCidadeHomem”... Durante sua passagem pela Casa de Cultura Villa Maria como frequentadora assídua, os poemas que escrevia eram depositados num balde em que ficavam à espera de leitores. Era a “Poesia D’Balde”.
A educadora que sonhou e abriu uma escola e participou da construção do projeto de escola pública idealizado por Darcy Ribeiro, uma outra paixão sua.
A Lucia do galo. Manhã é protagonista em sua história.
Mãe e avó.
Lucia Miners são muitas.
Thereza Christina Cruz
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