a pedra lascada
a pedra bruta
a pedra lapidada
a pedra da gruta
tempestade de neve
tempestade de areia
tempestade interior
cemitério indígena
cemitério de elefantes
moinho
moendo água
redemoinho
remoendo a alma
pingo de gelo
estalactite estalagmite
d i n a m i t e
cratera na gruta
chuva de diamantes
Andri Carvão
Metafísica
Poética
Poesia é fêmea nua,
é palavra intermitente,
é lobo uivando pra lua,
poesia come gente.
Poesia a gente chora,
a gente vive,
a gente sente.
Poesia não se ignora,
a poesia é impertinente.
Poesia se devora
na paisagem,
na beleza.
Poesia não tem hora
é alegria,
é tristeza.
Poesia nos invade
no carinho,
na aspereza.
É o amargo,
o doce,
o vinho,
a identidade
e a estranheza.
Poesia está em tudo,
despercebida,
desvairada.
Poesia é todo mundo,
não tem destino,
é a estrada.
Ana Campos
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados
Oswald de Andrade
Veja só as coisas como são:
Na poesia, no amor e na vida
Nem sempre as coisas são comoção
Tchello d’Barros
Verbo rasgado
Fui acusado de ser impulsivo
E sou
Sinto tudo
E digo tudo que sinto
Fui nomeado intempestivo
E sou
Tempo mudo
Não vai se calar comigo
Daniel
Perrroni Ratto
lama tóxica
rios
mortos
cemitério
de cinzas
da floresta
sobre e entre
dentro de nós
sob a pele
cancro
e metástase
ou escolha rápido :
a bala do fuzil
sancionada pela caneta
de governantes narcofundamentalistas
um Brasil pária
que mata dia sim, dia sim
os muitos povos deste país
Rodrigo Novaes de Almeida
CONCERTO
Da fábrica de ferro,
ferrolho.
No rosto do cego,
Um olho.
Artigo de luxo,
repolho.
Vida:
corte de navalha
em corda de violino.
Hugo PONTES
Quatrilha
para Bruno Candéas,
Carlos Gurgel e Tanussi Cardoso
sigo o trilho na trilha
onde carrego
:
cacomanga recife rio grande natal
rasgo a tralha
me desfaço da mortalha
carNAvalha - carNAval
persigo nos telhados
os fantasmas que assombram
no país do laranjal
Lady Gumes
diretamente de Assombrado
nos Ruídos Urbanos de Uilcon Pereira
in memorian
“povo iludido, nordestinar-se é preciso”
Bruno Candéas
dentro
de mym mesma
mora um anjo
negro
que lambuza
de batom
vermelho
a minha boca
no espelho
Marisa Vieira
"Não consigo escrever quando ver sejo"
Adriano Moura
O grito da minha garganta
se liberta com uma caneta na mão
De meus dedos não sai só poesia
Sai toda uma revolução
Maya Falks
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Manoel de Barros
naquele tempo
nossas cabeças
misturavam
Beatles, Sinatra,
Elvis e o rock
e a gente era jovem.
hoje
eu sei
continuamos...
misturando tudo
Cesar Augusto de Carvalho,
em "Curto-circuito
Editora Patuá - 2019
UM IDIOTA NO
MEIO DO CAMINHO
não havia uma pedra no meio do caminho
havia um idiota completo com seu olor de ódio
um idiota completo que relinchava
— sem a elegância dos cavalos
um idiota completo com seu fedor de coisa pútrida
babando bílis, bebendo pus, peidando, defecando
sobre bandeiras verdes sem matas
sobre bandeiras azuis de céus sufocantes
sobre bandeiras amarelas de raiva
sobre bandeiras brancas manchadas de sangue
um idiota completo regurgitando e resfolegando
violência, tortura, ameaças, assassinatos
um idiota completo e mentiroso com seu pau hasteado
numa selva escura e sem saída, sem onça-pintada
sem lobo-guará, sem tatu-peba, sem rola-bosta
um idiota completo que berra nos ouvidos de
madalena
eu não te estupro porque você é feia!
meu filho não te come porque você é preta!
um führerzinho mal ajambrado em talho tosco
gritando morte aos veados! morte aos vermelhos!
morte aos que ouvem essa música barulhenta!
morte aos montes! morte em marte! marche! marche!
e a turba trevosa e tenebrosa entra em transe
e afia as facas e estala as esporas e engatilha as
armas
revelando às crianças uma face dura e rude
sem leveza, sem beleza, sem delicadeza alguma
um idiota tão maligno e digno de pena
que nem vale o esforço de um poema
Ademir Assunção
do livro Risca Faca
Demônio Negro - 2021
um livro de poesia na gaveta
não adianta nada
lugar de poesia é na calçada
lugar de quadro é na exposição
lugar de música é no rádio
ator se vê no palco ou na televisão
Sérgio Sampaio
azul
estranhos, percebo, nossos dias
tempo de fingir que não, que sim
tempo de cadeados em latas de lixo
lanças nos muros, nas praças, na boca
bombas lacrimogêneas, gritos, despejos
tempo de grades na alma e nas janelas
tempo de falar de futuro nos bancos
tempo de não falar do passado
tempo de arder tudo que vai
entre a lua e este pedaço de carne
Tarso de Melo
Poética 40
as vezes sinto frio
um vazio no silêncio
se não estás comigo
doí o ventre
um palmo abaixo do umbigo
Cristina Bezerra
Inquilina
da terra,
pátria
de
flores
e
frutos,
nasci
madura
numa casca
ainda
verde.
Inquilina
de mim
caule
sangrando seiva,
brotei
ao avesso
na fissura
da
pétala.
*
Mell Renault
in: "Patuá" - Editora Coralina
tente entender
tudo mais sobre o sexo
peça meu livro
querendo te empresto
Luiz Melodia
Pérola Negra
cena verbal 48
para D.
Dormes com a quietude
das laranjas,
com teus reinos
de hormônios e sementes.
Dormes para adoçar
abril, para
chover sobre o outono.
A carne febril
que sonegas ao pássaro
ferido, é teu realejo
secreto – donde
o impossível se esfarinha.
Agora, vem, despe
esse fruto
que doma os insanos;
que viceja os cegos
nas igrejas.
O tempo ausente está morto. Só
nos resta o agora em fatias. E
essa cadela rosnando
atrás do dia
Salgado Maranhão
do livro Avessos Avulsos
O SILÊNCIO
A palavra
dita e escrita,
antes domínio,
hoje quase inexiste.
E no declínio da voz,
pássaro triste,
nada exalta o fonema.
A pena chora a sós
quando vos confesso meu silêncio.
Não o silêncio que me cala a fala,
mas o que me cala o poema.
Jorge Ventura
Língua à
Brasileira
Ó órgão vernacular alongado
Hábil áspero ponteado
Móvel Nobel ágil tátil
Amálgama lusa malvada
Degusta deglute deflora
Mas qual flora antropofágica
Salva a pátria mal amada
Língua-de-trapo Língua solta
Língua ferina Língua douta
Língua cheia de saliva
Savará Língua-de-fogo e fósforo
Viva & declinativa
Língua fônica apócrifa
Lusófona & arcaica
Crioula iorubaica.
Língua-de-sogra Língua provecta
Língua morta & ressurecta
Língua tonal viperina
Palmo de neolatina
Poema em linha reta
Lusíadas no fim do túnel
Caetano não fica mudo
Nem “Seo” Manoel lá da esquina
Por ti Guesa Errante, afro-gueixa
O mar se abre o sol se deita
Por Mários de Sagarana
Por magos de Saramago
Viva os lábios!
Viva os livros!
Dos Rosas Campos & Netos
Os léxicos Andrades, os êxtases
Toda a síntese da sintaxe
Dos erros milionários
Desses malandros otários
Descartáveis, de gorjetas.
Língua afiada a Machado
Afinal, cabeça afeita
Desafinada índia-preta
Por cruzas mil linguageiras
A coisa mais Língua que existe
É o beijo da impureza
Desta Língua que adeja
Toda a brisa brasileira
Por mim
Tupi,
Por tu Guesa
Luis Turiba
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ORÁCULO
Quantos dados ainda rolarão
até que enxergues tanta dor ao teu
redor?
Quantos dias te impedirão de acordar
a tempo de perceberes que a Terra é
tua Mãe,
e o futuro, um pai desnaturado,
sem paradeiro no teu calendário?
Quantas folhas secarão no verde das florestas,
depois do último fósforo aceso pela
tua ambição?
Quantos degraus descerás
no retrocesso da tua própria ilusão,
sem te dares conta que o caminho só é
caminho quando vai, mas um dia também volta,
nem que seja depois, bem depois,
para além da estrada que nos
atravessa
depois da vida?
Quantas flores murcharão
até que compreendas que ninguém
sobrevive
sem a mão estendida ao amor,
repartindo graças naquela fatia do
único pão?
Quantas pedras atiradas,
quantas perdas empilhadas,
quantas raivas destiladas,
quantos desperdícios acumulados?
Quantos lutos somarão tristezas nunca
findas,
até que entendas que tua vida, tão
pouca,
só é possível inteira,
quando tu souberes dividir o teu
quinhão?
De que te fazes tu, além da tua
[indiferente] 'clausura'?
[Essa noite eu tive um sonho:
o Oráculo encheu-me de perguntas
não pude dar respostas
- mal sabe ele
que sou eu a sua maior interrogação
-]
(Nic
Cardeal, 01.03.2021)
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