para um negro
a cor da pele
é uma sombra
muitas vezes mais forte
que um soco.
para um negro
a cor da pele
é uma faca
que atinge
muito mais em cheio
o coração.
EU, PÁSSARO PRETO
eu,
pássaro preto,
cicatrizo
queimaduras de ferro em brasa,
fecho o corpo de escravo fugido
e
monto guarda
na porta dos quilombos.
NEGRO FORRO
minha carta de alforria
não me deu fazendas,
nem dinheiro no banco,
nem bigodes retorcidos.
minha carta de alforria
costurou meus passos
aos corredores da noite
de minha pele.
FAÇA SOL OU FAÇA TEMPESTADE
faça sol ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.
faça sol ou faça tempestade
meu corpo é cercado
por estes muros altos,
— currais
onde ainda se coagula
o sangue dos escravos.
faça sol
ou faça tempestade,
meu corpo é fechado
por esta pele negra.
Extraídos de: ANTOLOGIA CONTEMPORÂNEA DA POESIA NEGRA BRASILEIRA, organização de PAULO COLINA. São Paulo: Global Editora, 1982. 103 p.
ela tem o olhar
sobre a ponte do conhecimento
de Darcy Ribeiro - primeiro grafou
o meu poema com sua bela grafia
depois pintou a ponte
com óleo sobre tela
e fez com que o meu olhar
fosse de encontro a sua arte
do outro lado da janela
Artur Gomes
5 - Abril - 2023 - para Bruna Barreto
FRACASSO DA RAÇA
uns constroem pontes
uns constroem poemas
uns tiram o leite das vacas
uns tiram o leite das pedras
(uns bebem o leite das pequenas)
uns mandam bem no gogó
uns só no blablablá
uns fabricam sucessos
uns fabricam antenas
(antenas da raça pagando suas penas)
antenas na roça, antenas na praça
do oiapoque ao chuí: antenas
sintonizadas no programa do datena
Ademir Assunção
Risca Faca
Selo Demônio Negro - 2022
furor
uterino
[adelaide do julinho]
qualquer paixão me diverte
fui passear no mato, caí no buraco
num átimo, dei-me conta do barato:
e mãos à cobra
[ imagem neuza ladeira ]
A posse é uma farsa.
Ilusão. Mentira torta.
Porta entreaberta.
Medo que corta os futuros passos.
Doíam àquelas verdades que não sei se eram minhas.
Nem sei se vou saber um dia.
Ana Sandra
resgate
morena alitera marina
caymmi dentro de mim
fios na vinha dos cachos
negros qual asas de índia
navega o castanho do rio
até sua foz nos meus olhos
dali, só o oceano, menina
o samba salgado do mar
face e quadris feitos píer
açoita o desejo das ondas
náufrago dado na praia
e salvo sobre você
Aluysio Abreu Barbosa
foto: Artur Gomes - Ubatuba - 2008
Jura
secreta 14
eu te desejo flores lírios brancos
margaridas girassóis
rosas vermelhas
e tudo quanto pétala
asas estrelas borboletas
alecrim bem-me-quer e alfazema
eu te desejo emblema
deste poema desvairado
com teu cheiro teu perfume
teu sabor teu suor tua doçura
e na mais santa loucura
declarar-te amor até os ossos
eu te desejo e posso :
palavrArte até a morte
enquanto a vida nos procura
Artur Gomes
www.secretasjuras.blogspot.com
Todas as revelações sempre chegaram até minha alma, desestruturando um dia de sol. Deixando a vidraça molhada. Eu olhava através dela, tentando atravessá-la, mas acabava sempre ancorada num indecifrável desamparo.
Ana Sandra
deus conosco
mas além da cerca
a sede do sangue alheio
deus conosco
mas lá fora espreita
uma noite imensa
deus conosco
e cardumes inteiros
de filhos da puta
deus conosco
mas a faca está cega
no pé da garganta
deus conosco
e o tiro dispara
de mão invisível
deus conosco:
a memória está morta
de vergonha e cinismo
deus conosco:
mas nada interrompe
o incêndio do circo
deus conosco:
sempre dormindo
no instante preciso
* Carlos
Moreira
foto: Dudu Linhares - Rafol de São Thomé
Ana Sandra
DIAGNÓSTICO
Minha mão direita treme
e me denuncia.
Qual lagoa
Que esconde
Monstros submersos.
Uma luta de Deus
E seu anverso
Em minha floresta
Neuronal.
Minha mão direita treme
E não é de medo,
Desvenda o segredo
Do inimigo
Que trago em mim.
Minha mão direita treme,
Já decifrei o teorema,
Minha mão direita,
Minha mão,
A mesma
Que fez este poema.
Fernando Leite Fernandes
inseto
[iosif landau]
tá tudo em ordem:
não há herança nem dinheiro nem poupança.
testamento é folha em branco,
não há bens nem castelos na França.
tô bem de corpo e cabeça, não estou demente,
não deixo remédios nem camisa de força pros
herdeiros.
apenas eu e minha imagem no espelho
coçamos os pentelhos o dia inteiro.
livros e discos e roupas e retratos
esperam pacientes os ratos festejarem.
descanso na tarde sombria sem companhia
quem se importa se ainda enxergo, ouço ou mijo?
Adelaide do Julinho
Ensaio Fotográfico com minha querida Isadora Zechin lá pelos
idos de 2014 em Bento Gonçalves-RS nos intervalos da programação do Congresso
Brasileiro de Poesia - enquanto ela lia o livro A Cor da Pele - do queridíssimo
poeta irmão Jose Salgado Maranhão Salgado Maranhão
enquanto ela lia
o livro a cor da pele
traçava o rito
de uma lente que revele
o que mora entre a língua
e a palavra
escrita ou dita
pela boca
de quem fala
tudo aquilo que não cala
Artur Gomes
O Homem Com A Flor Na Boca
https://fulinaimatupiniquim.blogspot.com/
insolentes leoas libertas
em incontestadas
salas de jantar
" Os rios e morros da planície,
transformais em vosso campo de batalha "
Bertolt Brecht
da fêmea carne preta
de pedra - fogo - fome
( olhos de terra
lábios de sangue )
um salto sul adentro
solto corpo afora
na distância circular
dos dias que se afastam
do infausto fado
de enfado imposto
( de céu as mãos
de sol o rosto )
um estrondo - silêncio
de íntimos anúncios
rasgando a pele
de surdas cidades
da fêmea carne preta
de pedra
fogo
&
fome
garbo gomes
04.04.23
PROCLAMAÇÃO
DOS MIRANTES
Luis Augusto Cassas
à sombra dos mirantes coloniais
lavados pelo sol do equador
povoado de luas brancas
assobia o vento leste
soprando promessas do infinito
sonata de redemoinhos
pra embalar passarinhos
iluminado em trevas
proclamo minha dor ancestral
exponho a tristeza que lacera
exércitos de mil demônios
a fúria ardente desta glória
a corrupção dos neurônios
a riqueza da miséria
espírito santo da vida
não permita seja lançado
à senda dos covardes
à trilha dos desertores
restaura-me a alegria aprisionada
quebra os dentes dos pusilânimes
veste-me o manto da coragem
alivia-me as pedras da alma
derrama-me a água viva
invade meu território aéreo
liberta-me da agonia intensa
povoa-me de beleza e amor
consagra e unge-me com azeite
da primeira prensa
sou o que caminhou pelos desertos
e bebeu o fel das pedras consagradas
trago nas mãos os lírios decepados
a tortura dos poentes amaldiçoados
transforma as tragédias em bênçãos
restaura a pureza das nascentes
torna-me manancial de abundâncias
cada palavra carrega um espírito
toda palavra abriga um demônio
irradia o benigno ou o maligno
torna-se objeto de amor ou insônia
mas a aliança com o santo é sagrada
abastece a vida e os descendentes
fortalece os reservatórios do sonho
escombros do mundo
não há mais chão para os heróis
sangram os bules e a estratosfera
cantai fábulas iluminai as florestas
vossos mortos agasalhamos a vácuo
anjos fedorentos não vem deles o bolor
mas dos construtores das misérias
por séculos corri
atrás do vento
enfim o vento
encontrou
meu templo
e o nome do vento
era o espírito santo
espirito santo palavra cara
palavra rara gema de valor
escreve nova história
renova o fogo
em minha alma
dai-me força e glória
paz e esplendor
imagem: Fernanda
Galve, paulista, professora da Universidade Federal do Maranhão,, meditando
sobre a energia colonial de São Luis do Maranhão
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